Capítulo 10 | O que ficou para trás - Parte 2

88 11 232
                                    

 – Olha esse, Alina – disse Sayla, conduzindo a moça. – Esse papagaio que brilha! É um papagaio, não é? Mas ele não está voando...

– Esse não é um papagaio, senhora – O naedi que parecia o dono do pássaro esfregou as mãos, sorridente. – Embora tenham algumas similaridades, esse é um bekkorit. Uma ave do Vale da Névoa Negra, na região central de Naedh Taraj. Ele não voa.

– Mas ele fala, pelo menos?

O comerciante naedi balançou a cabeça em negativa, com certo pesar. Era uma ave bonita, Alina pensou. Algo muito próximo de um papagaio, mas com o bico mais fino e comprido, e negro como uma noite sem lua. E, mais do que isso, brilhava. Uma luminescência violeta que competia com todas aquelas luzes de velas de pedra, das barracas que os barqueiros haviam montado em volta.

Sayla pareceu considerar algo por um breve momento. Alina e o naedi olharam para ela, expectantes.

– Não, acho que não – respondeu. – Eu gostaria de um passarinho, mas nem eu, nem o Kil, sabemos como criar um. Já basta aquele cavalo que nunca vai ser cavalgado.

Alina inclinou a cabeça ao vendedor, como se desculpando-se pela decisão da sua companheira, e depois encontrou-se levada por Sayla para a próxima mesa. Ali, uma jovem, de traços bitzlanos como ela, oferecia joias com uma expressão simpática no rosto. Colares, correntes, anéis, braceletes, tiaras, de ouro e prata, adornados por pérolas verdes, brancas ou azuis. E por uma infinidade de gemas dos mais diversos tamanhos.

A moça suspirou ao ver que a outra admirava as joias com fervor quase religioso. Sorriu, complacente. Ao redor, todo o ambiente do cais fora tomado pelos Barqueiros Viajantes, de uma forma que era até difícil imaginar que aquilo passava a maior parte do tempo vazio. Barracas, mesas de exposição, tendas privadas erguiam-se para revelar as novidades dos cinco mares do mundo. Jóias como aquelas, animais exóticos, pergaminhos encantados com feitiços de magos andarilhos, supostas pedras de meteoro e mecanismos mágicos recém-descobertos pelos eruditos de Ho'poy. Por cima de toda aquela cacofonia sonora e visual, conseguia distinguir a música de alaúdes e de flautas de osso. E também um cheiro forte e delicioso de comida temperada, do tipo que não se conseguia ignorar.

Apesar de todo aquele caos, de imediato ela percebeu a aproximação dos dois conhecidos soldados de fronteira. Um deles trazia um invólucro branco nas mãos, e o outro um sorriso bobo no rosto.

– Achamos os marionetistas – comunicou Kiliman, com rapidez. – Esse ano, felizmente, eles estão com o grupo.

Alina não tirava os olhos do pacote branco. – O que é isso? O que está carregando aí, Telmo?

– Ah... a sua percepção é boa, não é? Aqui dentro tem comida.

– Comida...

– Bolinhos de arroz e de cogumelo dos shenzi. Fritos. Apimentados.

– Pare de provocá-la e dê logo essa coisa à garota – disse Sayla, franzindo o cenho.

– Tudo bem, tudo bem – resignou-se Telmo, entregando o invólucro para Alina.

Essa é... a melhor coisa que já comi na minha vida, foi o primeiro pensamento que passou pela mente da moça enquanto mordiscava os bolinhos com paixão. Crocantes no ponto certo, o interior ainda conservava uma consistência de um cozido. Em dois minutos, devorou os quatro que estavam dentro do pacotinho.

Apesar de normalmente se abster de fazer isso, Alina lambeu os próprios dedos para limpá-los. Recuperou parcialmente a disposição de antes. Mais do que o sabor daquilo que comera, sentia como se aqueles bolinhos fossem a primeira coisa que comia em eras. O que não estava muito longe da verdade.

KALKIALA - A gema da vidaOnde histórias criam vida. Descubra agora