Capítulo 5 | Okinto

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Cinco dias antes.

O som de passos do lado fora do estábulo tirou de Alina o pouco de sonolência que ainda restava nela.

A jovem tirou o cobertor velho, que já pinicava o seu corpo, e foi buscar as roupas que deixara numa das divisórias de madeira dos cavalos. Vestiu as roupas íntimas, a camisola e o vestido verde comprido. Calçou as alpargatas e amarrou o cabelo com o lenço. E, lembrando que ele não ficava normalmente por cima da palha, pendurou de volta o cobertor num gancho da parede.

Os passos davam a volta no estábulo. Seria Tobbi? Não, a esta altura ele já teria acordado e voltado para casa. Já que era de manhã. Estaria trabalhando no topo do vulcão? Não... era primeiro de Minguado. Ah, primeiro de Minguado... esses normalmente eram dias agitados na Quinta.

– Ah, olá, senhorita – a voz de Zanil emergiu da silhueta parada à entrada do estábulo. Atrás dele, o dia estava ensolarado.

– B-bom dia, senhor Zanil – respondeu ela, curvando-se para o homem de meia-idade que cuidava dos cavalos. – Tão cedo hoje?

– Eu sempre venho cedo – disse. Alina o observou abrir uma das portinholas dos cavalos. Ali dentro, o homem sussurrou alguma coisa ao garanhão marrom e prendeu o freio e uma corda à boca do animal. Puxou-o para fora, afagando as costas dele. – Bem, chegou a hora do passeio matinal deles. Um por vez, é claro – avisou, voltando-se para os outros cavalos, que relinchavam animados. Depois voltou a olhar na direção da moça. – Se eu não fizer isso ao menos uma vez por dia, é capaz dos velhotes me lincharem.

– Às vezes eu tenho pena deles. Nunca terão um campo aberto para correrem livres.

– Bem, não há o que fazer. Esta ilha é... hmm, muito inadequada para cavalos e animais de planície. Os velhotes sabiam disso quando resolveram começar a criar esses bichos aqui – Zanil franziu os lábios, de repente. – Não estou me queixando, é claro. Faço o possível para deixar os cavalos felizes, e eles me pagam por isso.

– Está fazendo um bom trabalho – assegurou ela, sorrindo.

Alina despediu-se de Zanil e deixou o estábulo, pensativa. Cavalos. Ainda lembrava da época em que os mais velhos subitamente tiveram a ideia de trazer cavalos para Okinto. Talvez fosse algum tipo de revolta paternal pelos filhos que já não lhes traziam nenhum orgulho, era o que costumavam dizer. Mas o seu pai também gostara da ideia, e comprara um potro que depois cresceria numa carinhosa égua cinzenta. Pobre Nani. Adoecera várias vezes, mas Zanil sempre dera um jeito de curá-la.

Despontavam algumas árvores pequenas, verde-escuras, aos lados do caminho de cascalho que Alina recorria. O ruído dos pássaros fundia-se ao cheiro inebriante das flores, e ao salgado do mar que a brisa trazia.

A jovem ajoelhou-se para puxar uma flor para si. Cavalos. Ouvira que podiam ser bem temperamentais, mas também possuíam um extraordinário senso de lealdade para aqueles que os tratavam bem. Não muito diferentes das pessoas. Será que sentiam-se presos, tolhidos, por estarem confinados num espaço onde não podiam realizar aquilo que queriam? Não... nesse caso estaria falando de Tobbi. Mas talvez fosse isso mesmo. Ocasionalmente o ouvia reclamar de como se sentia preso ali, e nunca parara para refletir que podia ser uma sensação parecida com essa dos cavalos. E, bem... se visse por esse modo, tudo fazia sentido!

Alina voltou-se ao ver que alguém vinha ao seu encontro, pelo caminho. Topou com a figura esguia de Edali, cujo vestido oscilava ao ritmo de passos imprevisíveis. Uma garota de olhar irreverente e desafiador. Sorriu ao vê-la.

– Como vai, Dalinha? Como está o seu avô?

– Ah – disse a garota mais jovem, fazendo um gesto de desdém –, o vô Yendol vai indo e indo. Ninguém sabe quando ele vai bater as botas. Eu vou bem – Fez uma pausa, pensando. – Mais ou menos.

KALKIALA - A gema da vidaOnde histórias criam vida. Descubra agora