O velório seria no dia seguinte. Vovô era doador de órgãos, aqueles que lhe eram permitidos doar por causa do câncer, e meus pais e meus avós precisavam de mais um dia para preparar tudo e avisar a todos. Minha família do Brasil tentou falar comigo, mas eu comecei a chorar no meio da ligação, e desliguei, pois aquilo só faria com que eles se sentissem pior, e além do mais, eu não estava lá das melhores companhias.
Eu e Pietro passamos o resto do dia deitados na cama dele, vendo filmes aleatórios na Netflix, qualquer coisa que poderia nos tirar dos nossos próprios pensamentos. Mas é claro que aquilo não deu muito certo, nenhum dos dois realmente viu os filmes e nem sequer tocamos no celular, apesar de nossa família e amigos quererem dizer "sinto muito" ou coisas do tipo, nós não queríamos ouvir, pois tornaria mais real. Percebi ele chorando várias vezes, assim como ele percebeu que eu chorava várias vezes e naquela noite nós mal dormimos, meus pais não dormiram planejando o velório, mas provavelmente mesmo que não tivessem que planejar, eles não dormiriam de qualquer forma. Fiquei horas sentada na varanda encarando a estufa, até que em algum momento eu dormi ali mesmo no puff. Acordei quando o dia começava a amanhecer e não fiz questão de tirar o pijama para descer e tomar café.
Minha vó estava arrasada, e quando ela me olhou e me abraçou no corredor enquanto eu ia descer e ela para o quarto tentar dormir um pouco, foi tão arrasador quanto sentir a mão gelada do meu avô. Eu ainda conseguia sentir meu toque no seu corpo gelado. Ela me deu um sorriso fraco e me beijou... como podia sorrir mesmo que minimamente após a morte do amor de sua vida? Pensei que ela era mais forte do que ela mesma pensava. Me obriguei a comer metade da metade de um pão, e beber um pouco de café, mas me arrependi no momento que senti meu estômago revirar. Voltei para o meu quarto quando meu pai apertou minha mão e disse que era melhor eu já me arrumar. Meus avós e nem minha mãe estavam ali na mesa, e Piet havia chegado a pouco. Eu assenti que sim e me levantei me arrastando, e me forcei a subir aquelas escadas sentindo que poderia cair a qualquer segundo.
Coloquei o vestido preto que minha mãe tinha separado e aquele definitivamente não era um dos meus preferidos. Ele era básico, liso e todo preto; não consegui passar maquiagem no rosto e decidi que eu passaria todo o tempo de óculos escuros pois os meus olhos estavam tão inchados que eu nem sabia como eles ainda estavam abertos. Entretanto, eu não havia derramado uma lágrima desde que havia acordado. O recorde naquele mês. Coloquei também minhas luvas de tule preto para que ninguém percebesse o estado das minhas unhas; algumas roídas e algumas grandes pois eu não tive coragem de cortar - não pela estética mas eu ainda estava me arranhando - e apesar das tentativas do meu psicólogo de eu me abrir e contar o que eu estava fazendo, aquilo ainda não estava acontecendo e eu me sentia extremamente culpada. Sai do meu quarto carregando os óculos escuros e desci as escadas, parando ao lado de Piet que me segurou como se precisasse de uma âncora.
- Vamos? - Meu pai perguntou depois que desceu devagar com minha mãe ao seu lado e nós fomos para o carro. Era a primeira vez que eu via minha mãe daquele jeito... Ela que sempre mantinha um sorriso no rosto e um ar animado, agora estava exalando tristeza e desespero. Ela estava segurando um lenço de pano, e estava abraçada a minha avó. Meus avós estavam sentados juntos e também estavam devastados pela morte do amigo querido. O clima no carro estava tão pesado que eu comecei a me sentir sufocada e agradeci quando Enrico estacionou e descemos em direção ao velório.
Flores, velas, lembranças, fotos... Tudo aquilo e um pouco mais na sala em que estava o caixão do meu avô. Senti um arrepio quando olhei para o caixão aberto e não consegui me aproximar, em vez disso, encostei em uma parte da sala e fiquei. Todos os funcionários, exceto os seguranças daquele turno estavam ali, e todos passaram um bom tempo falando com os meus pais e com os meus avós, todos nitidamente abatidos pela perda, até por que, vovô era aquele tipo que brincava com qualquer um que aparecia na sua frente, e muitos dos funcionários dali, eram agradecidos por ele ter sido um dos responsáveis por expandir os funcionários, contratando os pais dos mesmos. Quando eles vinham até mim, me abraçavam longamente e eu só conseguia assentir pelas palavras e agradecer no final.
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O Destino me Aguarda - O Final
Ficção AdolescenteDepois de Emily ter descoberto ser uma Princesa e ter sua vira revirada, ela se muda para a Itália para se tornar a princesa que deve ser. Lá ela continua com Enzo e vivendo um verdadeiro conto de fadas - entre trancos e barrancos. Agora, Emily vai...