CAPÍTULO 13 - Contraste.

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"Eu sonhei por muito tempo, com o escuro. Um lugar onde eu não pudesse vê-lo, onde Ele não existia. A solidão era constante. Era como ter um rombo, sabe? Uma massa feita de memórias boas, mas não o suficiente para tapar todos os buracos. Ele se foi quando eu tinha 7 anos. Com a promessa de que um dia Ele voltaria. Que todos seríamos felizes. Ele, Eu, a Mamãe. Ele nunca voltou. Na verdade, foi só depois que eu percebi, que ele nunca esteve lá".

Você guarda as respostas em sua própria mente
Conscientemente, você as esqueceu
Essa é a forma como a mente humana funciona
Sempre que algo é muito desagradável
Ou muito vergonhoso para suportarmos
Nós rejeitamos isso
Nós apagamos isso da nossa memória
Mas a marca está sempre lá

Uma boneca narrou. Estávamos num quarto a meia luz, onde um jovem Jarod estava sentado em sua cama, em silêncio. Deveria ter uns 10 anos naquela cena. Um barulho na porta nos chamou atenção, alguém batia nela. Ele abriu e uma mulher não muito alta, de cabelos castanhos aloirados lhe trazia uma carta e um presente.

- Seu pai te enviou, filho. - Ela disse. Na caixa de presente, havia escrito "Com amor, papai". Ela se retirou do quarto e ele fechou a porta. Correndo para cama, ele abriu seu presente. Luzes invadiam pela janela e piscavam em tons amarelados e quentes. Realçando os olhos dourados do garoto e os cabelos ligeiramente ruivos. Seu presente era um globo de neve, onde dentro havia um pai e um filho brincando com a neve próximo a torre Eiffel. Havia dizeres na base do globo: "Juntos em Paris". Jarod pressionou o globo por um momento, então o arremessou com força na parede. Neve falsa voou para toda parte junto de cacos de vidro. E de toda cena também quando se apagou.

"Eu lembro quando era criança. E eu tinha um boneco legal, e eu amava muito esse boneco. Meu pai havia me dado, 1 semana antes de ir embora. Um dia, zangado no jardim, o arremesei para trás e não fiz questão de ver onde havia caído. Era o meu brinquedo favorito e eu me desfiz dele como se fosse nada. 1 ano depois, eu o encontrei, dentro dos arbustos. Mas o boneco que antes usava uma roupa preta pintada em sua superfície de fibra, tinha uma enorme mancha circular e branca no peito. Eu entrei em choque ali. Eu lembrei do meu pai bêbado, na sala. E lembrei dele gritar com o vento. Dele dizer que amor era uma bobagem, mas quando ele me olhava, eu era uma exceção. Olhando para aquele boneco, lembrei de quanto o amava e amava brincar com ele. Eu o amava e mesmo assim me desfiz. E mesmo eu não estando ali criando momentos felizes com ele... Isso não o impediu de mudar. Era o mesmo boneco, mas não era o mesmo boneco... Aquela mancha branca criada pelo o tempo, me fez perceber o quanto do meu pai eu tinha em mim. Eu senti ódio de mim. Peguei aquele brinquedo, aquele ser inanimado. E apertei contra o meu peito em um abraço e chorei. Olhando para aquele ser sem vida, eu pedi desculpas. Percebi, que mesmo que eu pintasse aquela mancha branca, isso não faria que aquele círculo pintado entrasse em constraste com o resto do brinquedo. Pensei em pedir para que minha mãe levasse em um restaurador, que o faria entrar em constraste de novo. Mas isso só o mudaria ainda mais. Ele não era o mesmo brinquedo que eu amei. E eu não era mais o mesmo garoto que meu pai amou. E meu pai não era mais o homem que eu admirei. Eu percebi que já não estava mais em constraste comigo mesmo".

A dor que te consome
O medo que te cega
Liberta a vida em mim
...
Em nossa vergonha mútua
Nós escondemos nossos olhos
Para cegá-los da verdade
Que descobre um caminho através de quem somos

A boneca narrou mais uma vez. As cenas de Jarod parecia como estar dentro de um quadro agora. Elas se desenhavam nas paredes daquele quarto como aquarela.

"Era desesperador, cada segundo. Como se parte de mim houvesse morrido e eu tivesse enfrentando um luto. Eu ainda tinha uma esperança. Eu torcia para que estivesse enganado sobre tudo. Até que chegou aquele natal e o bem dito globo de neve. Minha mãe se esforçava pra caralho para dar tudo do bom e do melhor para meus irmãos. Mesmo exausta, ela nos enviava amor".

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