CAPÍTULO 25 - O Garoto De Cabelos Negros.

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Eu pude ver Gaspar a um passo, empunhando a espada. A forma que inclinou a lâmina, acusou que seu movimento seria letal. Mas eu não deixaria isso acontecer, não ainda. Quando as chamas baixaram, virei um chute no pulso dele. O impacto o fez soltar a lâmina para o alto, ele me fitou com surpresa. Apanhei Creaturae em sua queda e a empunhei para frente. Fitei o Padre do outro lado, que estava bem a frente de alguém que jamais moveria um dedo para salvá-lo: Anthon Marriet.
Os guardas correram assustados quando a Mula ergueu suas patas frontais no ar, se preparando para trotar e eliminar. Apontei a espada para dentro das chamas que rugiam do pescoço eqüino e Creaturae pegou fogo.

- Lux, o que está fazendo?! - Gaspar gritou para mim. Eu só o fitei por um breve momento, não precisava pronunciar o que estava claro: estava fazendo o certo.

A Mula trotou em direção ao Padre que tentou correr. Saltei de suas costas, no momento certo que ela também saltou sobre ele. Suas patas o jogaram ao chão. Então, a Mula perdeu sua forma e deu origem a uma Madeleine que agora estava montada na cintura do homem. Ela chorava enquanto sorria.

- Qual suas últimas palavras antes de ter sua existência apagada? - Ela perguntou.

- Deus! Me salve! - Ele exclamou aos céus. Madeleine alargou ainda mais seu sorriso.

- Elbe, no Purgatório, só seus demônios podem te salvar. Eu te perdoo, eu me perdoo. Eu só quero ter paz.

Ela encostou sua testa na dele e apertou seus ombros com suas unhas. Eu saltei novamente. Com a espada em chamas, a cravei no centro das costas de Madeleine, que atravessou seu corpo e o do homem. A fenda deixada pela lâmina quando a puxei, explodiu em enormes fractais de luz. As luzes foram em direção ao céu, atingindo as nuvens e ressoando em diversas trovoadas.

- Você realmente é igual a sua mãe. - Ouvi a voz de Marriet falar, enquanto uma sombra tomava forma a suas costas.

- Não, filho da puta, ela é melhor. - Era a voz de Orfs. Ele conjurou garras em sua mão direita e riscou o rosto de Marriet, deixando cortes que espirravam sangue. Marriet se tornou uma esfera de penumbra, e então desapareceu. Corri em direção a Orfs e o abracei apertado.

- Achei que tinha te perdido. - Falei.

- Eu sou um Porsche sem freios querida, deveria ter lembrado disso. - Ele respondeu. As trovoadas continuavam lá em cima, e onde havia Madeleine e o Padre, só restava cinzas marcando o asfalto. Mas um trovão me chamou atenção, ele não veio de cima, ele veio de trás do Gaspar. Senti uma dor aguda perto da costela, senti minha Ouroboros queimar e meu corpo esfriar. Gaspar começou a despejar sangue pela boca, até que caiu de joelhos. A sua queda revelou o homem que tinha feito aquilo: o seu próprio pai.

Eu não conseguia me mexer, sentia meu cérebro sendo eletrocutado e pegando fogo. Começara a chover, Orfs correu em direção a ele e arremessou o seu pai para longe com uma rajada psiônica. Ele me chamava, mas eu não conseguia escutar. Uma poça de água se formava abaixo dos meus pés. Tudo em mim doía. Era como se todos os meus ossos estivessem se partindo. Eu não conseguia gritar ou me mover. A dor estava ali, e apesar de insuportável, meu corpo ainda resistia. Forcei minha cabeça a olhar para baixo, para meus pés. A sensação foi de sentir os músculos entre a nuca e as costas, sendo cortados com faca em brasa.
Pude ver meu reflexo na poça. Os meus olhos, já não eram meus olhos. Eram amarelos como os de uma serpente, mas sem aquelas fendas. Meus cabelos, tomaram um tom alvo como a luz da lua. Senti as brasas internas em meu corpo, queimarem minha pele e produzir runas antigas em meu braço direito. Um instinto assassino me consumiu. Em meio a chuva, eu já não era eu.

***

Eu tentava focar na respiração, mas a cada vez que eu respirava, uma dor intensa vinha me assombrar de dentro pra fora. A bala deveria estar alojada perto do estômago. Uma criatura veloz saltou sobre mim, virei meu rosto com dificuldade para seguir a silhueta. Orfs tinha suas mãos no ferimento, pronunciando algo em alguma língua que meu raciocínio não conseguia identificar. Meus olhos não conseguiam  focar, e era rápido demais. Mas eu tinha certeza que era uma figura monstruosa. Mesmo com a visão embaçada, pude perceber duas caldas saindo de seu cocsi. As caldas tinham em suas pontas, algo que pareciam muito com lâminas prateadas. Só me toquei o que era aquilo quando Orfs cessou seus cânticos e gritou:

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