CAPÍTULO III

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As noites em que acordou assustada e com o coração acelerado de repente voltaram todas de uma vez. Fez então o que seu instinto mandou. Fechou o portão com tudo na cara do rapaz com uma força maior do que a calculada. Deu meia volta em silêncio e em completo estado de choque. Passou por seu pai ignorando a presença dele e voltou pra dentro de casa, atravessando a sala em direção ao seu quarto no fim do corredor à esquerda. Entrando nele, trancou a porta atrás de si, largou a mochila no chão de madeira e se jogou na cama sem entender absolutamente nada do que estava acontecendo.

Há uma hora atrás estava desfrutando de um café da manhã normal, com um pai normal, se preparando para mais um dia normal. Agora não eram nem sete horas da manhã e tudo parecia um sonho muito louco.

Ela só queria ir para faculdade. Não pediu por um pai em surto e muito menos por um pequeno monstrinho, já não tão pequeno assim, ganhando forma. Até aquele momento, estava tentando analisar tudo da maneira mais racional possível. Mas a repentina aparição do garoto só podia ser explicada de uma maneira: seu pai estava falando a verdade.

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Se dirigindo ao portão que recentemente tinha sido vítima de violência, o pobre pai chegou a conclusão de que seria melhor deixar a filha respirar sozinha por um momento. Girou a chave que foi esquecida na tranca, abriu o portão e encarou um jovem verificando o estado do nariz machucado.

— Aceita um café? — perguntou baseado na convicção pessoal de que um bom café, recém passado, melhora qualquer situação. — Acho que a gente tem muito assunto pra pôr em dia.

— Não acha arriscado a Melina me dar um soco se eu entrar? — questionou focando sua atenção no homem à sua frente — Ela parecia bastante estressada.

— Não... Provavelmente ela tá trancada no quarto tentando processar tudo e esfriar a cabeça.

— Então eu vou aceitar — respondeu dando de ombros.

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O garoto entrou pelo portão, em direção à porta da sala, passando pelo caminho de pedras brancas. Observava o quintal enquanto andava, era grande e arborizado, porém bem cuidado. A grama estava aparada, com um verde vivo e recém irrigado. Havia irrigadores automáticos espalhados quintal e pouquíssimas folhas no chão, a piscina à sua esquerda estava bem limpa e o canteiro de margaridas que decorava a entrada da casa provavelmente havia sido regado mais cedo. Era um nível de capricho que sabia que Nicolao não possuía.

Era o jardim perfeito e deveria ser uma linda paisagem em um dia ensolarado. Infelizmente o ambiente começava a ficar escuro. Olhou para cima esperando ver uma nuvem passageira cobrindo o sol, mas se deparou com uma formação de nuvens escuras que aparentavam estar bem carregadas e isso era preocupante. Não havia mormaço que indicasse a chegada de uma tempestade e a previsão do tempo era de dia seco, ele mesmo havia checado enquanto dirigia até lá.

Por dentro era tudo igualmente impecável. A sala era bem organizada e decorada com muito bom gosto em tons de vinho e creme, exceto por uma poltrona gasta que provavelmente tinha sido escolha do tritão que devia ser tão velho quanto o móvel. De onde estava era possível ver a mesa de jantar composta por uma grossa placa de osb e seis cadeiras cor de marfim, pesadas e estofadas. Atrás da mesa estava a cozinha e a única coisa minimamente fora de ordem eram as xícaras e pratos sujos do café da manhã que ainda estavam sobre a mesa. O piso de madeira brilhava de tal modo que lhe passava a certeza de que poderia esfregar um bife no chão e comer sem medo, de tão limpo.

O velho homem passou a sua frente recolhendo a louça suja e lhe servindo uma xícara de café.

— Gostou da casa? — perguntou com um certo orgulho na voz. — A Mel quis redecorar há uns meses atrás.

O Legado do Sol • Livro IOnde histórias criam vida. Descubra agora