A surpreendente e fantástica realidade, finalmente, materializou-se diante dela.
Novamente, não sabia que reação deveria ter. Porém, encarando os quase um metro e cinquenta de cauda que se projetavam em sua visão, as lágrimas começaram a escorrer, involuntariamente.
Não sabia porque chorava. Apenas chorava.
O pânico a tomou de súbito juntamente com a sensação de estar se afogando em água salgada. Sabia que aquilo era impossível. Mas aquele era um resquício de sua mentalidade humana que recusava-se com veemência a aceitar que aquele ser diante dela era ela própria.
Observava suas escamas brancas reluzindo em leves tons de azul que se revelavam mais conforme ela se movia. Estranhou ter o mínimo de controle sobre algo que, à vista de alguém de fora daquela realidade, parecia mais um traje cinematográfico e não parte natural de seu corpo.
Mas aquele era seu corpo.
— Você está bem? — Após algumas leves batidas na porta, ouviu a voz de Joe perguntar do outro lado.
Enxugando as lágrimas e disfarçando a voz de choro, respondeu:
— Pode entrar.
Assistiu ele entrar com uma mão cobrindo os olhos.
— Tá tudo bem? — ele inquiriu. — Posso abrir os olhos?
Faltavam-lhe as palavras apropriadas para descrever o que estava acontecendo, então, decidiu que seria mais fácil deixá-lo ver. Jogou um pouco de água no rosto para disfarçar as lágrimas e abraçou os próprios seios para cobri-los.
— Pode abrir.
Quando o garoto abriu os olhos, emitiu um "ah" que Melina interpretou como um "entendi". Aproximou-se dela, agachando-se ao lado da banheira, e pousou os olhos em suas costelas.
— Bela tatuagem.
Olhou para o próprio corpo, lembrando-se das margaridas em preto e branco que havia tatuado na lateral e um pouco abaixo do seio esquerdo.
Deu de ombros, a voz ainda embargada. — É minha flor preferida.
O rapaz acenou com a cabeça, em sinal de compreensão e tornou a perguntar:
— Você tá bem?
— Acho que sim — respondeu, sem muita firmeza. Porém, logo que parou para refletir, percebeu que a maior parte de seu corpo já não doía tanto e que a situação, em si, não era desesperadora. Apenas natural. — É, eu tô bem.
Tornou a encarar a própria cauda. — Mas como eu saio daqui?
— É só esvaziar. Tem três ralos e vai bem rápido — explicou. — Mas tu também pode simplesmente voltar ao normal.
— Acho que esse é o meu normal agora... — disse, ainda com uma certa dificuldade de assimilar.
— É. Isso. Mas você entendeu.
Melina balançou a cabeça positivamente. — Acho que quero terminar meu banho.
— Certo. Vou ficar lá no quarto, qualquer coisa, me grita.
— Pode deixar. — Sorriu para ele e o observou sair do banheiro e fechar a porta atrás de si.
🔆
Saiu do banho alguns minutos depois, enrolada no roupão. Sua cabeça ainda latejava, mas a dor em seus ossos e músculos estava se esvaindo aos poucos. Seu corpo parecia ter gostado de voltar ao seu estado primário e natural. Entendeu o que seu pai havia dito no barco, dias antes, com "minha cauda, tô sentindo ela aqui". Olhando para suas pernas, não conseguia mais vê-las como algo além de um disfarce.
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O Legado do Sol • Livro I
FantasíaHISTÓRIA CONCLUÍDA Escondido do mundo dos homens, o reino de Anamar parece ter saído diretamente de um conto de fadas. No entanto, o lugar passa por uma forte crise moral, religiosa e política que põe a vida da herdeira do trono, Mel, em risco e a...