CAPÍTULO XXV

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A surpreendente e fantástica realidade, finalmente, materializou-se diante dela.

Novamente, não sabia que reação deveria ter. Porém, encarando os quase um metro e cinquenta de cauda que se projetavam em sua visão, as lágrimas começaram a escorrer, involuntariamente.

Não sabia porque chorava. Apenas chorava.

O pânico a tomou de súbito juntamente com a sensação de estar se afogando em água salgada. Sabia que aquilo era impossível. Mas aquele era um resquício de sua mentalidade humana que recusava-se com veemência a aceitar que aquele ser diante dela era ela própria.

Observava suas escamas brancas reluzindo em leves tons de azul que se revelavam mais conforme ela se movia. Estranhou ter o mínimo de controle sobre algo que, à vista de alguém de fora daquela realidade, parecia mais um traje cinematográfico e não parte natural de seu corpo.

Mas aquele era seu corpo.

— Você está bem? — Após algumas leves batidas na porta, ouviu a voz de Joe perguntar do outro lado.

Enxugando as lágrimas e disfarçando a voz de choro, respondeu:

— Pode entrar.

Assistiu ele entrar com uma mão cobrindo os olhos.

— Tá tudo bem? — ele inquiriu. — Posso abrir os olhos?

Faltavam-lhe as palavras apropriadas para descrever o que estava acontecendo, então, decidiu que seria mais fácil deixá-lo ver. Jogou um pouco de água no rosto para disfarçar as lágrimas e abraçou os próprios seios para cobri-los.

— Pode abrir.

Quando o garoto abriu os olhos, emitiu um "ah" que Melina interpretou como um "entendi". Aproximou-se dela, agachando-se ao lado da banheira, e pousou os olhos em suas costelas.

— Bela tatuagem.

Olhou para o próprio corpo, lembrando-se das margaridas em preto e branco que havia tatuado na lateral e um pouco abaixo do seio esquerdo.

Deu de ombros, a voz ainda embargada. — É minha flor preferida.

O rapaz acenou com a cabeça, em sinal de compreensão e tornou a perguntar:

— Você tá bem?

— Acho que sim — respondeu, sem muita firmeza. Porém, logo que parou para refletir, percebeu que a maior parte de seu corpo já não doía tanto e que a situação, em si, não era desesperadora. Apenas natural. — É, eu tô bem.

Tornou a encarar a própria cauda. — Mas como eu saio daqui?

— É só esvaziar. Tem três ralos e vai bem rápido — explicou. — Mas tu também pode simplesmente voltar ao normal.

— Acho que esse é o meu normal agora... — disse, ainda com uma certa dificuldade de assimilar.

— É. Isso. Mas você entendeu.

Melina balançou a cabeça positivamente. — Acho que quero terminar meu banho.

— Certo. Vou ficar lá no quarto, qualquer coisa, me grita.

— Pode deixar. — Sorriu para ele e o observou sair do banheiro e fechar a porta atrás de si.

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Saiu do banho alguns minutos depois, enrolada no roupão. Sua cabeça ainda latejava, mas a dor em seus ossos e músculos estava se esvaindo aos poucos. Seu corpo parecia ter gostado de voltar ao seu estado primário e natural. Entendeu o que seu pai havia dito no barco, dias antes, com "minha cauda, tô sentindo ela aqui". Olhando para suas pernas, não conseguia mais vê-las como algo além de um disfarce.

O Legado do Sol • Livro IOnde histórias criam vida. Descubra agora