CAPÍTULO XXVIII

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Cibele sempre teve Gorgos em mais alta estima. Eram amigos de longa data. Alguma coisa em seu rosto rechonchudo transmitia segurança. Isso não significa que ela não se estressava com ele algumas vezes, como, por exemplo, quando ele pediu para conversarem em particular sobre a coroação de Melina.

Sentado na cadeira de madeira acolchoada com um tecido verde musgo do escritório, explicava sobre o por quê ser irredutivelmente contra a data escolhida pela rainha.

— Junho ainda está muito distante. Se, os deuses os livrem, algo acontecer a você ou ao seu irmão, não há ninguém para herdar o trono. Pelo menos, não oficialmente.

— Quem você supõe que teria poder suficiente para tentar algo contra nós dois? E, nesse cenário que propões, ela também morreria.

— Não seja prepotente, Majestade. Caso haja uma aliança entre poderes, então há inimigos formidáveis para um combate à altura. É imprudente deduzir que o único alvo deles seja a princesa. E mesmo se esse fosse o caso, para a segurança dela própria, seria melhor que demonstrasse de uma vez por todas que não é fácil de matar.

— A coroação é o momento mais importante para alguém da realeza. Não posso adiantar apenas por questões políticas, correndo o risco de ela não estar pronta.

— Você está pensando com o coração e sacrificando a razão. Como, pelo Hades, aquela garota não seria capaz de se provar digna? Ainda me lembro muito bem da tempestade que ela trouxe sobre esse país há doze anos atrás. Creio que esteja subestimando a própria filha.

— Pode ser que eu esteja sendo super protetora — proferiu, respirando fundo e inclinando o corpo sobre a mesa —, mas seu argumento ainda não me convenceu.

— Seu governo é construído sobre duas camadas finas de gelo. Só te peço que adicione mais uma. Coroações são episódios que firmam a estabilidade de um reinado. Surge um efeito positivo no povo e os faz ter mais fé em suas autoridades. Você, mais do que ninguém, necessita de apoio popular.

— Quem atenta contra mim não é meu povo.

— Mas, supondo, e apenas supondo, que uma guerra civil desponte, ninguém escolherá o lado mais fraco. Por hora, a princesa é apenas um bibelô que está sendo exibido por aí. É o suficiente para ganhar o carinho da população, mas não a confiança.

A rainha focou os olhos na janela do escritório, jogando o corpo novamente para trás, apoiando as costas na cadeira. Lá fora, conseguia ver os funcionários já levando suas bagagens para dentro do iate. Quando ela não respondeu, Gorgos continuou:

— Escute, vão lhe pressionar para adiantar essa coroação de qualquer jeito. Querem ver de que ela vale. Só estou sugerindo que use isso ao seu favor.

Respirou fundo. — Entendo. Mas creio que já esteja na hora de embarcar.

Levantou-se, alisando a saia plissada que ia até pouco abaixo dos joelhos. Dirigiu-se até a porta, passando pelo homem sentado à sua frente.

— Majestade, apesar das nossas discordâncias técnicas, eu estou ao seu lado — ele disse, quando ela já estava com a mão na maçaneta. — Sabe disso, não sabe?

Ela esperava que sim. Não que tivesse a opção de confiar de olhos fechados em alguém. Não havia solo no qual pudesse ancorar sua fé. Mas, mesmo assim, seu coração a dizia para confiar no caráter de seu amigo. Mesmo que tivesse de esperar para tirar a prova se sua palavra tratava-se de um oásis ou apenas a ilusão de um.

— Sei. E desejo estar certa. Não me decepcione, Gorgos — dito isto, saiu fechando a porta atrás de si, sabendo que ele a seguiria.

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O Legado do Sol • Livro IOnde histórias criam vida. Descubra agora