CAPÍTULO LIII

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Pôde ver, nitidamente, o terror tomar conta do jovem garoto. Viu seu pomo de Adão se mover quando ele engoliu em seco. Não o viu respirar. Também não o viu piscar. 

— O quê? — perguntou Joe, com um sorriso ironizado. — Não achou que eu iria simplesmente deixar passar, ou achou? — ergueu uma sobrancelha.

— Não — pigarreou. — É claro que não — respirou fundo, tentando (em vão) relaxar os ombros. — Mas não podemos falar disso agora. 

— E vai me dizer por que não? 

— Muitas pessoas de interesse no recinto — abriu um sorriso nervoso, como se estivesse prestes a entrar em um surto psicótico. Joe deduziu que ele estava disfarçando o teor sério da conversa para quem quer que pudesse estar os observando às escondidas. — Vão suspeitar imediatamente.

— Tudo bem. Tu até que é inteligente — bagunçou os cabelos ruivos do rapaz e relaxou na cadeira — e, para sua sorte, eu estou de bom humor. Então, eis aqui como as coisas vão funcionar: durante a próxima música, eu vou tirar a princesa desse lugar, ninguém vai achar anormal, e tu vai contar treze minutos depois que eu sair. Durante esses treze minutos, tu vai beber bastante líquido, vai conversar com sua irmã normalmente, e quando der o tempo, vai sair daqui e ir em direção ao banheiro dos funcionários, lá fora. Okay? Vai esvaziar a bexiga pra ficar o mais crível possível e, depois disso, vai me encontrar na biblioteca principal. Ninguém vai nos incomodar lá.

— Como tem certeza de quem não vai ter ninguém lá? — A veia em sua testa já estava evidente demais. — Não posso arriscar ser visto à sós com você.

— Os únicos dois nerds que frequentam aquele lugar são Sua Alteza Real 1 e Sua Alteza Real 2. E eles estão bem aqui.

Dante não disse nada. Apenas começou a bater a perna ainda mais freneticamente. 

— Estamos entendidos? — inquiriu Joe. 

— Tenho escolha ou estou sendo coagido?

— Não pergunte se já sabe a resposta — deu dois tapinhas nas costas do garoto. — E limpa o suor das mãos. Tem que atuar melhor do que isso. 

Ele assentiu, nervosamente, engolindo em seco. 

— E o que vamos fazer até a próxima música? 

Joe deu de ombros. — Conversar como bons amigos. Gosta de esportes? 

Ele pareceu chocado por um instante com a mudança súbita de assunto. Mas, então, gesticulou com as mãos, apontando para o próprio corpo magro e nada atlético. 

— Hm — murmurou enquanto bebericava de seu copo. — Também não sou muito fã. Só quis aprender o que me era útil. Uma vez... — A súbita pausa dos instrumentos chamou sua atenção. Esperou alguns segundos até que a melodia seguinte começasse a soar. — Bom, parece que nossa conversa vai ter de esperar treze minutos. E sugiro que não fuja. Seria muito pior para nós dois. 

Levantou-se da cadeira, despedindo-se dele amigavelmente e seguiu até o centro da pista, onde raptou Melina e disse à Anastasia que Dante queria companhia.

Conduziu a princesa até a biblioteca — aproveitando para beijá-la em corredores vazios — sem dizer a ela o motivo. Ela não se opôs. Estava radiante como nunca tinha a visto antes. Não iria estragar sua noite feliz com preocupações. Decidiu que só a deixaria ciente do que estava acontecendo quando ele próprio soubesse o que estava acontecendo. Queria absorver a maior parte do estresse antes de partilhá-lo. 

Entraram no cômodo vazio e acenderam as luzes. Checou o seu relógio e viu que teriam menos de dez minutos a sós antes de Dante chegasse. Olhou para Melina e viu em seus olhos o que ela estava pensando. Para a infelicidade dos dois, teria de desiludi-la. 

O Legado do Sol • Livro IOnde histórias criam vida. Descubra agora