CAPÍTULO V

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Incrédula diante do que acabara de testemunhar, saltou da cadeira e a derrubou no chão. Levou suas mãos à boca impedindo que o grito saísse. Podia ver a expressão no rosto de seu pai, se contorcendo em uma mistura de surpresa e dor, se afastando do garoto e agarrando a maçaneta da geladeira em busca de apoio, enquanto o diabo ao seu lado apenas o observava de maneira fria e curiosa, de volta aos braços cruzados e à pose relaxada, como se esfaqueasse alguém todos os dias.

Sabia que o mais sensato seria fugir e salvar sua vida. Se aquele negão de um metro e noventa tinha sido vencido daquela forma, mesmo com as aulas de defesa pessoal, ela não teria muita chance. Porém, sob hipótese alguma abandonaria seu pai nas mãos daquele psicopata traidor. Que tipo de pessoa toma cafézinho com você e logo em seguida te mete a faca?

Trovões começaram a tocar sua melodia céu afora e ela interpretou aquilo como um incentivo. Então fez a coisa mais estúpida e corajosa que lhe veio à mente. Agarrou a cadeira ao seu lado e a lançou com força na direção daquele delinquente. Infelizmente ele era mais rápido do que ela previu. Percebeu o móvel chegando e se abaixou a tempo de não ser acertado. Se levantou de volta, rindo com uma expressão de surpresa em seu rosto e as mãos erguidas em rendição. Acontece que ela não estava muito a fim de trégua. A garota se lançou sobre a mesa com fúria nos olhos visando agarrar o pescoço daquele bastardo. Provavelmente morreria, mas seria com honra. Com um pouco de sorte, conseguiria alcançar uma das facas atrás dele e deixá-lo bastante machucado, no mínimo.

No entanto, seus planos foram impedidos quando sentiu grandes braços e mãos ásperas envolverem sua cintura e obrigarem-na a sentar na mesa. Tentou se desvencilhar mas não conseguiu medir forças com o homem.

— Fica quieta aqui sua pinscher raivosa!

Olhou para o seu pai, surpresa por ele demonstrar tamanha força mesmo com uma faca cravada no estômago.

— Por que você não me deixa dar na cara dele? — gritou, indignada. — Ele tentou te matar!

O garoto havia se afastado um pouco da confusão como se quisesse evitar conflito. O que deixou Mel bastante confusa. Quem esfaqueia alguém e depois se faz de sonso? E se ele não queria ferir mais ninguém, por que não fugiu da cena do crime? Estava apenas parado, como uma vizinha fofoqueira observando um barraco. Olhava para ela com um certa admiração que só contribuía para deixá-la ainda mais fora de si.

— Acho que talvez você devesse se concentrar no seu pai…

— Escuta aqui, seu filho de uma…

— Mel! — o homem gritou ao seu lado — Eu tô bem! Fica calma!

Com a maior naturalidade do mundo, retirou a faca do abdômen e a mostrou para a filha.

— Você tá ficando doido? Tem que esperar a ambulância se não vai ter hemorragia e…

— Olha aqui! — disse de forma enfática, a obrigando a olhar para o ferimento.

Diante de seus olhos, acontecia a coisa mais surreal que já haviam visto até então. Seu pai levantou a camisa molhada de sangue e ela pôde ver com mais detalhes o corte que não era tão profundo quanto imaginava. Ou já não era mais. Conseguiu ver a carne cortada voltando a se ligar. Estava se curando.

🔆

Sentada sobre a mesa, continuou com os olhos fixos no pedaço da barriga que estava exposto. Antes, onde havia uma ferida aberta, agora só havia sangue sobre uma pele lisa, sem nenhuma cicatriz. Nenhum mísero vestígio de que havia uma faca ali há dois minutos atrás.

O Legado do Sol • Livro IOnde histórias criam vida. Descubra agora