Uma mulher alada voava livremente pelos céus, um sorriso estampava seu rosto, uma coroa de louros enfeitava sua cabeça e em sua mão esquerda segurava uma tocha. Seu largo vestido branco caia com graça sobre seu corpo e um cinto dourado o moldava em sua cintura. A chama permanecia viva em sua tocha, mesmo com o vento batendo contra ela.
Porém, de repente, uma expressão confusa ocupou lugar em sua face, fazendo com que a adorável mulher olhasse para baixo, com espanto. Começou a cair dos céus numa velocidade preocupante, não conseguia estabilizar seu voo e suas asas já não batiam rápido o suficiente.
Atingiu o chão azul com um duro impacto.
O líquido vermelho manchava seus cachos loiros e sua coroa de folhas já não estava mais sobre sua cabeça, mas, mesmo assim, ela tentou se levantar, apoiando-se em seus cotovelos. Olhou na direção de seus pés em pânico. Uma serpente de pele verde, muito escura, aproximou-se lentamente e consciente de cada rastejo que dava. Sua língua sibilante dava à ela uma expressão feliz, como se estivesse feliz por ver sua vítima.
A mulher tentou se levantar, mas suas pernas não pareciam funcionar. Rastejou com dificuldade para longe da cobra, mas não era rápida o suficiente. Sua inimiga começou a se enrolar em sua perna direita, sem pressa alguma, provocativamente. A estranha não desistiu. Agarrou sua tocha, com o fogo ainda ardendo, e tentou espantar a serpente. Quando viu que o animal não recuou, começou a bater com o cabo da tocha em sua cabeça, irritando ainda mais a predadora. Lutou com furor contra a criatura, com os dentes cerrados e expressão guerreira.
Contudo, enquanto travava sua batalha, não percebeu que outra serpente se aproximava.
Chegando por trás dela, o animal, com a exata mesma aparência do primeiro, saltou do chão, em direção ao pescoço de sua vítima.
Dois profundos furos foram feitos na lateral de sua garganta. A mulher levou sua mão esquerda até o ferimento, mas já era tarde demais. Sangue jorrava como esguichos para fora de seu corpo, manchando seus dedos e seu vestido que antes, era alvo. As serpentes continuaram a atacá-la, mas já não sentia mais nada.
Engasgou com o próprio sangue antes de cair no chão.
Não fechou os olhos. Porém, a expressão obstinada tinha ido embora, dando lugar ao olhar vazio que podia ser visto em seu rosto. Seus braços caíram esticados ao lado do corpo. Como um último movimento, fitou sua mão direita vacilar e soltar a tocha, que rolou pelo chão liso.
O fogo eterno havia se apagado.
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Melina acordou lamentando ter deixado que Joe dormisse em seu próprio quarto. A presença dele ali acalmaria seu coração disparado por conta do pesadelo.
Não fazia a menor ideia do que significava aquilo, ou, se quer, se significava alguma coisa. No entanto, seu pai era o deus das profecias, pensou que poderia ter herdado o dom. Por via das dúvidas, decidiu que contaria ao seu guardião e ao seu tio. Talvez eles soubessem de algo que pudesse ser útil para decifrar aquele sonho.
Olhou no relógio e viu que faltavam poucos minutos para a hora de levantar, então, foi tomar um banho para ver se conseguiria aliviar a sensação perturbadora que o pesadelo havia deixado.
Quando terminou, já estava mais calma. Pela primeira vez em uma semana, conseguiu dormir o bastante. Estava descansada e "ai" dela se não estivesse. Era o dia do início de seu treinamento e ela não fazia ideia do que esperar. Seu tio treinaria sua telepatia, seu nado, a ensinaria contabilidade? Não tinha como saber.
Antes que Anastasia chegasse e o dia, de fato, começasse, foi para sua varanda e tomou outro banho, dessa vez, de sol. Os raios solares da manhã sempre a fizeram bem, agora, entendia o porquê. A sensação de renovo era incomparável, mesmo com a incerteza se seu pai estava olhando por ela ou não. Joe sempre falava de Apolo como se o Olimpiano fosse uma pessoa comum com quem o jovem tinha contato frequente. Porém, Melina já não o via há mais de uma década. Tinha se encontrado com ele algumas dezenas de vezes antes de tudo dar errado em sua vida, contudo, ainda não havia tentado falar com ele desde que voltara à Anamar. Nem uma prece além do culto em Iliakós. Imaginou que, quando ele quisesse vê-la (se quisesse), apareceria. Mas, mesmo assim, estranhava seu silêncio.
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O Legado do Sol • Livro I
FantasíaHISTÓRIA CONCLUÍDA Escondido do mundo dos homens, o reino de Anamar parece ter saído diretamente de um conto de fadas. No entanto, o lugar passa por uma forte crise moral, religiosa e política que põe a vida da herdeira do trono, Mel, em risco e a...