CAPÍTULO VI

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Decidiu que o melhor a se fazer era ouvir com atenção e perguntar depois. Sentia que quanto mais perguntava, menos sabia. Como se estivesse vagando por uma estrada sem direção certa, estava longe demais de casa para voltar, mas não sabia para onde ia ou quando iria chegar.

Tinha que dar um crédito ao garoto, no entanto. Era perceptível o quanto estava se esforçando para ser o mais didático possível. Conseguiu entender algumas coisas. Pelo visto, o que foi usado para esconder uma cauda por doze anos foi uma versão mais branda de um feitiço de banimento. Quando alguém cometia um crime imperdoável em Anamar, essa pessoa era transformada em humana, exilada e condenada a viver entre os homens. Mas, por ser uma versão amena, a essência dela e de seu pai não haviam mudado, apenas disfarçada. Era por isso que não podiam pôr os pés no mar, nem em praticamente nada que desaguasse no oceano. Aparentemente, todo o povo do mar possuía uma conexão empática que os fazia perceber a presença de um semelhante caso ele estivesse na água ou usasse alguma de suas habilidades especiais de maneira estrondosa. Joe disse também que não sabia direito quais eram as dela, apenas alguma coisa sobre fazer chover, mas não havia dado tempo dela se desenvolver então teriam que esperar para ver a extensão disso.

Assim que terminou a aula, olhou para ela esperando uma reação que ela não conseguia se obrigar a dar. Ao invés disso perguntou somente:

— Com que roupa que eu vou?

Fechou a mala e encarou de volta.

— Hã... Eu não sei — a pergunta o pegou desprevenido. — Mas você não tem nada a dizer sobre o quê eu acabei de falar?

— Daqui a pouco eu vou ter, agora tô tentando me concentrar em coisas que estão ao meu alcance — explicou —, tipo, com que roupa eu tenho que ir?

— Sei lá, vai arrumada.

— Arrumada do tipo rolê no shopping ou formatura de ensino médio?

— Ah, não sei. Vai com qualquer coisa que tá bom. Não precisa se preocupar com isso.

Concluiu que ele não seria de muita ajuda e muito menos podia contar com seu pai, decidiu então se basear no que ele estava vestindo.

— Você vai assim mesmo?

— Sim, por quê? — olhou para si mesmo para conferir como estava — Tá feio?

Estava vestido de preto dos pés à cabeça, como se quisesse passar despercebido. Tênis preto e branco, vans Old Skool, uma calça comum com a chave do carro pendurada no passador e camisa de manga curta. O único acessório era uma aliança fininha de prata na mão direita. Na parte interior do braço, conseguiu ver as relíquias da morte tatuadas e considerou isso como um sinal de que ele realmente era uma boa pessoa. Se perguntou se ele tinha mais alguma escondida. Apostava que sim.

— Tá normal — respondeu. — Agora dá licença pra eu me arrumar.

— Ok, senhorita, vou ver se o Nicolao já tá pronto.

Se levantou da cama e se dirigiu ao corredor.

— Ah, faz um favor pra mim — pediu a menina.

— Manda — disse, parando com uma mão na maçaneta e a outra no batente.

— Limpa aquela bagunça na cozinha. As coisas tão na área de serviço lá atrás.

Achou que ele fosse reclamar, mas ao invés disso apenas riu e disse fechando a porta atrás de si.

— Senti sua falta.

🔆

Foi até o quarto, mas ele já não estava mais lá, apenas a bolsa, então voltou pelo corredor e foi até a sala. Encontrou o homem com uma mala menor aberta sobre a mesa de jantar colocando algumas coisas do armário dentro dela. Saiu pela porta da sala, virou à direita na lateral da casa e encontrou a área.

O Legado do Sol • Livro IOnde histórias criam vida. Descubra agora