— Garoto, cadê seus pais? — perguntou a atendente da loja de conveniência.
Tinha de ficar na ponta dos pés para se apoiar sobre o balcão e vê-la melhor. O uniforme do posto manchado de gordura e os cabelos castanhos presos em um coque. Uma das sobrancelhas, há muito sem fazer, estava erguida para ele em suspeita.
— Lá fora. — Apontou para a porta de vidro pela qual podia ver o agito das pessoas passando pelo centro da cidade. — Meu pai tá me esperando no carro.
Era a mais deslavada mentira. Seu pai estava no Chile há quase um mês a negócios.
— Tem certeza disso? — seus olhos verdes ainda o olhavam com desconfiança.
— Uhum. — Estendeu novamente a nota de dez reais para a mulher, mas ela não aceitou. O menino queria apenas comprar um salgado, mas ela não parecia crer muito em sua história.
— Tu tem certeza que não tá perdido?
Estava bem vestido. Sua mãe sempre fazia questão de apresentá-lo impecável. Suéter verde sobre uma blusa social, bermudinha de algodão, sapato social com meias caneladas e mochilinha nas costas. Não era exatamente o tipo de roupa que se usa para ir a um parque de diversões, mas Patrícia Salton era empenhada em mostrar à sociedade como sua família era bela e exemplar.
Não parecia um garoto perdido. Não entendia o porquê de todo o interrogatório. Normalmente, os seres humanos pouco se importam em ver crianças perambulando sozinhas pelas ruas, mas aquela mulher parecia ser uma alma mais gentil que as demais.
— Wesley, por que está demorando tanto?
Ambos, atendente e criança, viraram-se para trás para ver quem passava pela porta da loja. Um jovem homem de cabelos dourados até demais entrava no recinto, nenhum dos dois entendeu o porquê dos óculos escuros em um dia cuja previsão do tempo era de neve, mas não questionaram. Andou tranquilamente até o garoto e pousou uma das mãos em seu ombro direito.
— Já comprou seu salgado? — perguntou, olhando para ele.
— Tu que é o pai desse piá? Tem idade pra isso?
O desconhecido riu. — Pois é, todo mundo pensa que eu sou mais novo do que realmente sou. Agradeço o elogio!
— Não foi um...
— Já deu o salgado pro meu filho?
A atendente olhou para o menino, esperando identificar algum pedido de socorro, mas ele apenas concordou com a cabeça. Não conhecia aquele homem ao lado dele, mas parecia estar ajudando. Então, disse:
— Vou querer aquela ali. — Apontou para a maior coxinha que viu disponível.
Relutantemente, a mulher entregou o salgado para o menino, que foi conduzido por seu novo amigo até uma das mesas de madeira do lado de fora da loja, ainda sob o olhar preocupado daquela senhora.
— Você parou de tocar — disse o jovem, enquanto observava o garoto devorar seu lanche. — Gosto de ouvir você tocar piano.
Não obteve nenhuma resposta. Então, prosseguiu.
— Você é bom, sabia? Conseguiu chamar minha atenção.
Tudo que recebeu foi um dar de ombros triste do menino. Seu olhar cabisbaixo estava focado apenas na comida gordurosa à sua frente. Sua mão direita manuseava o salgado de maneira estranha, quase não tocando.
— É por causa disso? — falou, pegando a mão do garoto. Os dedos estavam em posições estranhas e alguns ainda inchados levemente. — Posso consertar.
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O Legado do Sol • Livro I
FantasíaHISTÓRIA CONCLUÍDA Escondido do mundo dos homens, o reino de Anamar parece ter saído diretamente de um conto de fadas. No entanto, o lugar passa por uma forte crise moral, religiosa e política que põe a vida da herdeira do trono, Mel, em risco e a...