O cheiro de costela na brasa que invadia suas narinas fazia tudo ficar melhor. Melina quase não se importava com o estado que seu cabelo estava. O penteado que Anastasia havia feito já havia se desfeito há tempo. Sua pele morena estava colante de suor e, apesar do cansaço, não estava nos seus planos ir dormir pelas próximas horas. Porém, quando Nicolao decidiu que já era hora de grávida ir descansar, não houve quem o convencesse de não acabar com a noite. Não que alguém ali estivesse em pleno juízo para argumentar. A única sóbria era Agnes, fazendo contraposição com Cibele que mal se aguentava sobre seus pés.
Se dispersaram todos rumo aos seus dormitórios. Nicolao fez questão de ficar para ajudar os funcionários a arrumar a bagunça que ele havia armado. Os que já conheciam a residência se encaminharam sozinhos, mas o casal de anfitriões fez questão de levar a família real até seus quartos. Agatha levava sua rainha apoiada em seu braço quando passavam pelo grande pátio da casa. Seguindo o modelo tradicional, com um mini reservatório de água no centro. Muito se assemelhava ao que Melina já havia visto em sua própria residência, mas ali uma estátua de Hebe estava posicionada no meio das águas e todo o ambiente era bem mais florido. Além disso, os corredores eram muito mais estreitos.
Sua mãe andava rente às escadas que levavam até a pequena piscina quando se desequilibrou e tropeçou. Rápido demais para que qualquer um tivesse alguma reação, a rainha rolou pelos cinco degraus de mármore, mergulhando nas águas cristalinas.
O primeiro a rir foi Joseph. Foi seguido por Agatha e até mesmo por Calisto, que tentou disfarçar com um riso contido. Os que prontamente foram socorrê-la foram Agnes e Augustus.
Quanto à princesa, observava estarrecida a cauda de sua mãe brilhante sob a água transparente. A piscina era rasa demais para contê-la bem. Sua nadadeira caudal branca quase se misturava à cor do mármore. Reflexos marfins em suas escamas eram destaque por toda a cauda e brilhavam ainda mais conforme ela se mexia, escorada na base da estátua, rindo de si mesma. Melina não pôde deixar de notar o quanto ela era semelhante à tatuagem que Joe carregava no abdômen.
Cibele moveu o corpo em direção à escada onde o casal a esperava. Enquanto era retirada da água, o garoto loiro cutucou o braço de Melina, a retirando de sua hipnose.
— Tá tudo bem? — ele quis saber.
— Hã? Ah, tá, sim. Só tô... olhando.
Tentou soar convincente, mas ele não pareceu acreditar. Porém, sacudiu a cabeça daquele jeito que sempre fazia. Como se entendesse o que ela não dizia.
Com a rainha já fora d'água nas escadas, com a longa cauda esticada frente ao seu corpo magro, Calisto simplesmente encostou em uma das pilastras de maneira relaxada, quando o vento seco bateu com violência contra a pele molhada da irmã. Melina teve de depositar um pouco mais de força sobre seus pés para não ser carregada. As mãos sobre a face e os cabelos brancos, agora soltos, dançando com a ventania. Quase como um furacão, o vento ia de um lado ao outro do ambiente, impetuosamente. Cibele foi a única que pareceu não se incomodar. Apoiada sobre os cotovelos, com a cabeça jogada para trás, aguardava a ventania fazer o trabalho de a secar.
De volta às falsas pernas, agradeceu, genuinamente:
— É por isso que você é o meu irmão favorito!
— Sou seu único irmão.
Levantando-se, estabanadamente e com ajuda, pareceu confusa com a afirmação.
— É?
— Sim, eu sou. — Riu suavemente e foi até ela, envolvendo suas costas com uma das mãos e a parte traseira de seus joelhos com a outra, a levantando do chão. — Vamos, você, mais do que ninguém, precisa dormir.
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O Legado do Sol • Livro I
FantasíaHISTÓRIA CONCLUÍDA Escondido do mundo dos homens, o reino de Anamar parece ter saído diretamente de um conto de fadas. No entanto, o lugar passa por uma forte crise moral, religiosa e política que põe a vida da herdeira do trono, Mel, em risco e a...