Capítulo Um

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Uma campainha melódica interrompe toda a bagunça, e incomoda os ouvidos, o que de súbito me faz abrir os olhos e erguer a coluna o suficiente para ficar sentado, não compreendo bem o vislumbre que acabei de ter. Deixo o olhar cair para os braços ligeiramente sobrepostos no meio das pernas, o suor toma conta deles. A respiração, fora do ritmo normal. Aquilo foi tão real, tão palpável, não sei de onde conheço aquela garota. Só pode ser um sonho, penso, ou quase isso.

Pego o smartphone e verifico as horas. Seis e trinta e seis.

Em seguida, desligo o despertador e coloco o celular na escrivaninha. Bocejo antes de levantar de fato, esfrego as mãos nos olhos enquanto caminho e acabo batendo o ombro na porta quando entro no banheiro. Lavo o rosto e abro a boca novamente.

Me encaro no espelho por um tempo, a jovem que surgiu no sonho não sai da mente. Ela é tão encantadora, tão elegante, na visão, disse que iríamos nos encontrar todos os dias. Não faz sentido, mas é como se tudo que supostamente significamos um para o outro dependesse disso, de permanecermos unidos. Balanço a cabeça, empreendendo esforços para afastar os pensamentos que atormentam a minha cabeça, tiro algumas mechas da frente para conseguir me enxergar e só depois que arrumo o cabelo para que fique do jeito que gosto.

Cinco minutos depois, estou no andar debaixo da casa, na cozinha, minha mãe me dá seu "bom dia" dedicando o máximo de animação, o que me surpreende pelo excesso de entusiasmo logo pela manhã. Mesmo assim, apenas respondo casualmente.

Olho mais uma vez de relance para Amy e noto que está pronta para ir trabalhar no escritório de advocacia e por isso, está trajando um blazer azul-marinho. Sempre digo que é melhor trocar de roupa depois de comer, para não ter o risco de se sujar, porém nunca sou ouvido e quando falo esse tipo de coisa ela diz que não é descuidada como eu e ri de mim.

– Você nunca vai me escutar, não é? – provoco, mesmo sabendo a resposta.

– Sobre o quê? – responde, desviando o olhar do livro posicionado na mesa e me dirige o olhar, como se não soubesse do que se trata. O cabelo longo, e ainda solto, cobre uma parte de seu rosto.

– Não finja que não sabe o que é – murmuro, apoiando o cotovelo na madeira fria. – Estou falando sobre você se vestir para trabalhar e comer depois. Vai acabar sujando a roupa algum dia, estou avisando.

Ela larga uma risada única e dá de ombros.

– É só trocar a roupa – fecha os olhos lentamente e abre com desdém. – Se eu quiser, vou trabalhar suja, sou a chefe mesmo. E mais, não sou descuidada como você – completa, ainda com aquele falso tom de superioridade.

– Não sou descuidada como você – repito sua fala para mim com a voz mais fina, fazendo uma careta.

Amy finge reprovar minha atitude meneando a cabeça, mas na verdade, está se divertindo tanto quanto eu.

Em minha casa, somos só nós dois, porque meu pai nos abandonou quando eu ainda era criança, entretanto minha mãe sempre me deu tudo que precisava. Ela é daquele tipo de pessoa que se considera descolada, por ser relativamente jovem ainda, e por isso, está familiarizada com praticamente tudo que os jovens fazem atualmente, ou pelo menos acha. Eu a considero minha melhor amiga e vice-versa, embora eu quase nunca tenha dito isso.

Ainda assim, comungamos um pacto de sempre dizer a verdade um para o outro, o que por si só serve como validação de nossa parceria, e vem funcionando muito bem pelos últimos anos. Por isso consigo chamá-la pelo nome normalmente sem achar estranho, como meus amigos disseram que é.

Vejo a mulher enfiar dois livros em sua bolsa, provavelmente para lê-los no trabalho, já que é viciada neles. Lembro de uma vez que queria muito sair para me divertir no shopping, entretanto era seu dia de folga depois de ter trabalhado arduamente várias semanas, até mesmo aos sábados e domingos, e bem, queria aproveitar o descanso lendo. Insisti, mesmo sabendo disso. Ela acabou cedendo, e chamou Hanna e seu pai, além de Jason, para nos acompanhar. Quando chegamos lá, Amy me deixou com meus dois amigos e foi direto para a livraria, saindo de lá muito tempo depois com uma sacola de livros, indo direto para casa. Só que não fui informado sobre isso, horas depois quando telefonei, a desculpa foi de que eu estava me divertindo tanto com Jason e Hanna que sua presença era desnecessária, porém o que realmente aconteceu é que a irresponsável simplesmente esqueceu do filho no shopping por causa de seu vício. Detalhe:eu tinha apenas doze anos.

Império dos Três [Completa]Onde histórias criam vida. Descubra agora