Capítulo Quatro

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Pedimos comida. Entendo que não é a melhor ocasião, mas acredito que é uma ótima maneira de disfarçar. Sentamos mais no fundo para não sermos vistos, o lugar exala um odor estranho, como se tivesse um fumante aqui, castigando o ambiente com o cheiro. O que ajuda a tornar o local melhor são os bancos marrons, que são de um estofado confortável, semelhante ao couro e a música country que soa no rádio velho na bancada, que cria um clima pacífico.

Dentro do estabelecimento está tudo calmo, ficamos pelo menos dez minutos com os cardápios tapando nossos rostos e fingindo que ainda estamos escolhendo alguma coisa. Fomos direto para o banheiro quando chegamos e nos limpamos. Foi lá que conseguimos, em conjunto, parar o meu sangramento na cabeça e nas costas depois de muita insistência e Natalie os dela, embora as dores ainda persistam, obviamente.

Estamos torcendo para que o dono não vá lá para ver, ou vai se deparar com várias toalhas de papel manchadas com nosso sangue.

A chuva já cai sem piedade, castigando o céu com rigidez, de minuto em minuto se ouve trovoadas fortes, depois de um clarão que ilumina o lado de fora. As janelas do lugar parecem se dobrar com a força do vento, não sei se é por causa da ventania ou do material acrílico barato que compõe as suas bordas.

Pego o garfo com a mão ainda trêmula e como mais um pedaço da minha torta de maçã sob a lâmpada que ilumina mal o ambiente, é o tipo de lugar que não tem exigências, aqueles que você acha no meio da estrada. E o dono sabe que é o único da redondeza. Dá para notar o desleixo com o piso, que já tem quase três cores diferentes, porque mesmo que pareça limpo, existe uma marca permanente nele, uma grande mancha de algo mais escuro que a madeira que não foi higienizada corretamente. Além disso, as mesas não são tão firmes e não tem muito equilíbrio, fruto do desgaste e não parecem ser de madeira. Mas ao menos está bem quentinho aqui.

A dor no meu corpo ainda persiste, por causa do acidente de carro, ainda bem que não tive nada tão sério, apenas uma dor aguda nas costas, no abdômen e nas pernas, além dos cortes, como os da cabeça, claro.

Já Natalie parece estar bem pior, o seu pescoço exibe um hematoma bem chamativo, que contrasta bastante com sua pele, assim como os outros espalhados pelo corpo. Ela também resmungou de dores na cabeça, porém, nós não podemos fazer nada no momento até que tudo se resolva, de minuto em minuto eu tento ligar para alguém, mas não há rede no celular.

O dono achou estranho nós aparecermos ali, ainda mais a essa hora, de acordo com ele, quem passa em sua lanchonete à noite geralmente está de carro, viajando. Eu disse que saímos para tentar fazer uma caminhada para bater um recorde, que foi estragada pela chuva. Isso também já explica o motivo de nós estarmos encharcados, mas não explica as marcas no corpo de Natalie, foi a desculpa mais ridícula que já pensei na vida. O cara deve ter percebido também que ela está com alguns cortes no rosto e nos braços, mas não disse nada. Pedi para usar algum telefone, pois assim poderia ligar para a polícia e para a minha mãe, porém ele disse que não estava funcionando.

Sobre Natalie, é difícil não ficar olhando, porque muita coisa me chama atenção, adoro a forma como o seu cabelo volumoso fica mesmo estando molhado, isso faz algumas mechas ficarem coladas umas nas outras, e combina com seu rosto suavemente desenhado e com os olhos verdes. A boca perfeitamente proporcional dá o toque final. Quando noto que ela está olhando desvio o olhar.

– Então... – Tento pensar na melhor forma de falar. – Como nos conhecemos? E quem exatamente é você?

– Como assim? – Natalie levanta uma sobrancelha e dá uma olhada de relance para os lados. – Não sei do que está falando.

– Você apareceu algumas vezes na minha memória, ou visão, não sei. Você não sabe de nada sobre isso?

– Bem... – Faz uma pausa, trazendo consigo uma expressão decepcionada. – Achei que você teria as respostas. Eu também te vi algumas vezes na minha mente. E por algum motivo, eu tinha certeza que você era real e que de alguma forma nos conhecemos – gesticula com o garfo entre os dedos.

Império dos Três [Completa]Onde histórias criam vida. Descubra agora