Capítulo 18 - Julia

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-Julia, por favor, não fique assim... Chore, xingue ou sei lá... Procure alguma forma de expressar e libertar seus sentimentos... - implorou Patricia roendo as unhas aparentando nervosismo latente e me abraçando com uma das mãos.

Eu enxuguei uma lágrima solitária com discrição e respirei fundo buscando forças não sei bem de onde.

Agora não poderia contar nem mesmo com a minha mãe. O que a primeira vista fez com que eu me sentisse sozinha a caminhar descalça pelas brasas fumegantes que eu havia assumido como desafio, agora não doía com tanto poder de devastação, era algo que eu poderia suportar. Isso porque não houve um dia sequer que eu tenha recebido o carinho necessário de minha mãe porque ela nunca esteve verdadeiramente ao meu lado me apoiando, afinal.

Então era como se eu tivesse me afastado brutalmente de uma pessoa que nunca esteve ao meu lado de verdade mas que era apenas uma fantasia, uma ilusão.

Unir os cinco e os três talvez não fosse uma tarefa dentro do rol dos desafios possíveis mas era o único que me faria seguir em frente. Eu não estava sendo a egoísta e a covarde que eu tinha sido até agora, estava sendo altiva, corajosa e segura. Porque essa sou eu, e se eu me afastei um milímetro disso é porque eu cometi erros.

O meu erro não foi me apaixonar por Gabriel e ter um filho com ele, o meu erro foi esconder isso dos meus amigos, mentir para Ricardo, fingir uma virgindade falsa e acobertar as armações de Gabriel com medo do que lhe viria como consequências caso tudo viesse a tona.

E esses erros me custaram muito caro, me custaram o acidente de Ricardo, me custaram ter de conviver com a culpa de ter lhe arrancado, feito uma sanguinária, uma de suas pernas.

-Vamos em frente... - eu disse apertando mais o passo, proferindo uma sentença com duplo sentido. Era uma afirmativa para Patricia de que eu preferia não debater mais aquele assunto ali, naquela urgência de resolver pendências mais graves. Era uma afirmativa pra mim, um chamamento, um grito de uma leoa feroz que passou a rugir em meu interior quando me toquei da leviandade e imaturidade de meus atos.

Cerrei os dentes e puxei Patricia que quase se desequilíbrou com minha inesperada segurança e minha inabalável caminhada quando perguntei.

-O Gabriel já respondeu as mensagens?

Patrícia vasculhou a bolsa amarelo ouro reluzindo com a chegada da noite de lua prateada e cheia e visualizou a barra de notificações.

Ela assentiu em afirmativa ao me olhar densamente e me passou o telefone.

Eu olhei as mensagens, com ansiedade e com as mãos escorregadias de suor frio:

"Gabriel, sou eu a Ju, já tive alta do Hospital e preciso que você me encontre na sacada do Hotel Seu Lar... Precisamos conversar a respeito de algumas coisas... E eu quero que você traga Marta e Caique também...

Oi amor, imagino que você esteja sem celular, pra estar usando o da Patricia. Você tinha que ter dado um jeito de me avisar antes a respeito da sua alta... Eu não aguento mais esperar pra te beijar e ficar contigo novamente... Te quero do meu lado! Você não tem noção do quanto sinto a sua falta! Eu não sei bem do que se trata essa sua ideia, não sei que assunto é esse, mas estamos indo!"

-Ju, o que você vai fazer exatamente? - Patricia me questionou quando lhe devolvi o celular e olhei para o Hotel no horizonte ao correr puxando minha amiga ao meu lado.

A corrida alucinante que me acelerava os batimentos e me fornecia adrenalina em jatos me bloqueava os pensamentos de suposições e hipóteses do que poderia estar prestes a ocorrer.

Quando os cinco e os três estavam frente a frente nada acabava muito bem.

Nada acabava muito bem.

-Paty, vou improvisar minhas explicações na hora... Não sei como vai ser... E nem quais serão as reações deles... Mas é melhor eu enfrentar isso agora... Ou nunca conseguirei construir algo com Gabriel... Eu não posso ficar assim, rasgada ao meio... - falei em tom minimamente audível quando nos aproximamos mais do destino final.

-Eu te apoio amiga!

Fiquei receosa, com o medo astuto rapidamente se apoderando de mim e me paralisei quando chegamos em frente ao prédio. Patricia me puxou para irmos aos fundos, passando por uma estreita abertura na lateral.

Uma que só nós cinco conhecíamos.

Alguns segundos depois, Patricia retirou seus saltos com dificuldade ao chegarmos em frente a uma porta pesada negra que nunca havia sido trancada e que nos informava: "Escadas de Incêndio".

-Eu não conseguiria subir essas escadas com essas minhas plataformas que mais parecem pernas de pau!

Eu dei uma risada singela e iniciamos a ir em direção ao terraço. A iluminação sempre tinha sido muito assombrosa naquele local, era praticamente uma região abandonada, com luzes vermelhas esparsas formando sombras distorcidas no chão.

Os degraus eram irregulares e tínhamos que calcular bem os passos ou sofreriamos quedas. Os corrimãos estavam ali erigidos mas era aconselhável que ninguém pusesse as mãos neles porque estavam mais enferrujados que qualquer coisa.

Quando subimos uma boa leva de escadas e conseguimos vislumbrar no alto a porta do terraço aberta e a palidez da lua avançar sobre nossos rostos, ouvimos algumas vozes e Patricia se aproximou mais de mim e me revelou:

-Talvez sejam Tadeu e Etan...

As vozes conversavam entre si, e me ative ao conteúdo de suas falas.

-É isso que está supondo? - Tadeu perguntava em tom um pouco assustado.

-Tenho certeza de que é isso! Verona foi amante de meu pai Santiago e isso explica uma parte disso tudo...

Era Ricardo.

Pisei em falso com o susto, meu corpo tremendo e Patricia puxou meu braço me impedindo de despencar.

-O que ele está fazendo aqui? Ele não pode estar aqui... - Patricia me perguntou enquanto eu perdia o fôlego.

Tudo seria exponencialmente pior se Ricardo e Gabriel finalmente se encontrassem ali.

Eu não tinha ideia do que aconteceria.

Os Cinco (EM REVISÃO)Onde histórias criam vida. Descubra agora