Capítulo 19 - Ricardo

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-A Verona e o seu pai são amantes... Se a Verona tem alguma espécie de ligação com a danceteria e aquele era um lugar importante pro seu pai... Bingo! Duas razões fortes o suficiente pra ela ter amado o fato do incêndio ter ocorrido! - Tadeu pôs as mãos na estrutura de metal que envolvia o terraço e olhou para o aglomerado de prédios a frente, respirando fundo.

Ele era o tipo de cara que se sentia com o sexy appeal aflorado se tivesse um caso nas mãos para desvendar. A excitação e o brilho em seus olhos, bem como o dedo indicador levantado sempre que uma nova ilação era percebida demonstravam esse traço de sua personalidade.

Uma suave brisa soprou e arrepiou a fina penugem em meus braços quando tentava suportar a dor ininterrupta e incômoda na região do minha cintura. Para amenizar os efeitos dos ferimentos, detive meus braços na parede oposta à vista e tentei me sentar.

Etan buscou um chaveiro no bolso e utilizou uma das chaves para violar uma garrafa de vinho tinto. Tadeu se dependurou na barra de ferro novamente quando vimos cortar o céu uma estrela cadente.

Etan ingeriu uma dose generosa da bebida, revirou os olhos com o gosto agradável e me disse:

-Por favor cara... Pense em desejos úteis! Nada de revelações afeminadas da sua personalidade... Tipo, o fato de você desejar a Polly professora ou a Barbie FairyTale... Coisa de Maricona!

-Eu desejo reatar com a minha garota! É disso que eu preciso...

Etan cambaleou um pouco na diagonal quando buscou mais um engradado de energético enquanto Tadeu imitava sua postura de um embriagado mais chato que o normal.

Eu gargalhei e ouvi alguns barulhos vindos da escada de emergência à direita de mim. Todos nos calamos e Tadeu me estendeu as mãos tentando ajudar a me pôr de pé.

Era Julia quem chegava.

-Hello, galera do mal! - anunciou Paty com um par de saltos cravejado de falsas bijuterias nas mãos. Ela pouco desviava os olhos dos meus, sorrindo forçado e obstruindo minha visão de Julia que vinha logo atrás. Sua postura era tensa e seus músculos estavam contraídos. Ela fez uma negativa com a cabeça, uma que só eu perceberia.

Com sua atitude, era como se Patricia me dissesse com certo pudor: "Você está no lugar errado... Porque você não volta pra cama do hospital, seu teimoso?"

Tadeu sentiu as faíscas saltarem dos olhos da amiga perua e me abraçou com umas das mãos dizendo:

-Eu sei! Eu sei! Lugar errado, momento errado, inconveniente... Mas foi o teimoso aqui que quis vir... Não pude impedir. Vocês sabem como o Ricardo é...

Julia surgiu pálida por detrás da penumbra e iluminou o ambiente com o loiro de seus cabelos. Ela era a personificação do receio, seus gestos eram indecisos e ela aparentava desconforto.

Eu, por uns segundos, pensei em ir embora, em correr sem rumo e nunca mais voltar. Viver sem razão para existir. Viver sem ela. Por mera covardia, para não ter que ouvir de sua boca que tudo o que vivemos não passou de uma mentira. Que ela nunca me amou de verdade e que Gabriel era com quem ela deveria ficar.

Mas em mais uma fração de segundos, ela me olhou de soslaio e corou com timidez sorrindo com sinceridade. Eu, naturalmente, correspondi sua simpatia e a segurei com força em demasia nas mãos, ao correr ao seu encontro, cambaleante saltitando com as muletas. Ela se esquivou com medo repentinamente e pôs um dos dedos na boca avaliando as possibilidades. Ela deu alguns passos para trás e eu olhei cabisbaixo enquanto ela punha suas mãos na defensiva ao prestar atenção na falta de minha perna.

Vi uma gota de suor lhe atravessar a bochecha e tudo se silenciou.

Eu sorri lhe abrindo os braços quando Patricia me apoiou com uma das mãos e ela me abraçou também repentinamente. Eu a apertei com força, todas as minhas terminações nervosas eletrificadas como se eu fosse um fio desemcapado.

Ela retribuiu meu carinho e acariciou ternamente minhas costas. Eu me senti flutuante num éter branco sentindo minha garota ali contra o meu corpo.

Quando a sua falta e a possibilidade de perdê-la surgiram astutamente escondidas onde eu alocava minhas certezas, o meu amor pareceu mais ávido e ensandecido.

Era um ensinamento antigo. A gente só se percebe quando perde.

No meu caso, eu só me dei conta quando a possibilidade de perder mostrou-se real.

Quando nos afastamos, Etan fez de sua impaciência crônica um obstáculo para o momento romântico que tinha se instalado.

-Povo de deus, porque a gente não curte um pouco algumas bebidas...? Tem um carregamento inteiro aqui...

Patricia jogou seus sapatos chamativos num canto onde eu tinha repousado e puxou um pouco a barra da saia.

Com pouca demora, Etan estava levando uns bons sacodes da namorada. Aquele seu fraco por bebidas alcoólicas era uma realidade que muito nos incomodava, principalmente aquele seu usual bafo de etílico fermentado. Etan tentou proteger a cabeça com os braços, enquanto recebia tapas secos e doloridos nos pontos mais flacidos.

Primeiro na barriga de chope, depois nas bochechas rechonchudas.

Etan sorriu como um sadomasoquista e puxou Paty com força e lhe tascou um beijo quente, enquanto eles se agarravam com arranhões e puxões.

Tadeu cruzou os braços, Julia se agitou cutucando meus ombros e apontando para o resto da garrafa de vinho ao meu lado. Eu entendi o recado e joguei o resto do líquido avermelhado em cima do casal prestes a transar ali mesmo.

Patricia deu um berro de arara e Etan se preocupou em proteger os cabelos. Todos gargalhamos e eu esclareci me escondendo atrás de Tadeu:

-Só queria dar uma esfriada nisso aí que vocês vivem fazendo...

-E o que vivemos fazendo? - perguntou Patricia com a maquiagem escorrendo do rosto.

-Safadeza e sem vergonhice... - respondeu Julia com aquela sua peculiar inocência e infantilidade. Meu coração deu uns atropelos, batendo mais forte e eu encaixei minha cabeça em seus ombros como sempre fazíamos.

Ela olhou para mim, com as bochechas levemente rosadas, envergonhada, mas não expressou nenhum desejo de me retirar dali.

Um gesto típico da época em que ainda éramos namorados.

O que isso realmente significava?

Que ela ainda me amava?

Os Cinco (EM REVISÃO)Onde histórias criam vida. Descubra agora