E num momento, Ricardo ali ao meu lado, corpo a corpo, exalando seu perfume doce e amadeirado, os pontos onde seus dedos tocavam numa região levemente abaixo de meus seios formando um rastro de frio. O gelo que ele me cedia quando nos abraçavamos era um desses eventos que dois amantes compartilham e que lhes é exclusivo e especial.
Sim, Ricardo me esfriava, me acalmava, fazia eu me sentir menos urgente e dilacerada. Não era um frio congelante, um desses que fere, que corta, que te provoca hipotermia. Era um frio leve e curiosamente aconchegante, quase como um desses bem agradáveis que você sente quando já está agasalhado e há uma lareira lhe esquentando os pés, mas o frio ainda está lá.
Ricardo poderia ser o meu remédio em uma vida repleta de tragédias como a que eu agora me inseria, mergulhada nessa vermelhidão sanguinária e febril. Isso se ele não estivesse no mesmo mar revolto que me afogaria se eu nada fizesse. Ele era uma vítima minha. Talvez a principal.
Então não faria sentido algum se para eu me salvar, tivesse que fazer uso de sua presença tranquilizante, sabendo em meu consciente que eu me aproveitava de quem eu havia maltratado. Seria um contrassenso bizarro. Mas tudo era tão complexo, tão irracional e havia tantos sentimentos fortes em jogo que me permiti por um momento ficar ali.
Me permiti me fazer bem. Mesmo que eu não merecesse.
Até Ricardo acariciar minha mão e me puxar para um lugar mais escondido e obscuro que a ampla área iluminada que era aquele terraço. Uma claridade fornecida generosamente pelas estrelas que feito bailarinas gravitavam no tecido escuro da noite. Quando olhei mais para o lado percebi que ele já havia adquirido uma certa destreza e habilidade ao andar com as muletas. Com a mesma mão que ele tocava meus dedos e me puxava, firmava uma das muletas, conseguindo me direcionar.
Tadeu estava contando umas piadas que faziam Etan e Paty gargalharem muito mais pela falta de senso e graça.
-E o que diabos esse português fazia com uma cueca de aço? Se ele peida, morte na certa... Cuecão de couro é de outra piada, não é não? Um japonês não usaria isso de qualquer jeito... Eles são orientais! Super inteligentes... - Etan analisava com uma expressão risonha, de mãos atadas com Patricia.
E quando eu tornei a perceber Ricardo, me ative a seus olhos castanhos que me observavam com um leve sorriso no rosto, a penumbra lhe destacando os traços expressivos. Os cabelos negros arrepiados molhados brilhando na luz do luar. Olhei para seus lábios finos e contive uma reação irresponsável.
Quem diria que eu ainda amasse ele esse tanto? Ao ponto de querer beija-lo...
Ele limpou um pouco a garganta e gaguejou um pouco antes de tomar coragem e iniciarmos o nosso acerto de contas:
-Você está linda! - eu suspirei e torci pra ele não ver minhas bochechas corarem.
-Você está... - eu parei e procurei o termo correto. Não podia falar a verdade.
Eu também achava ele um garoto irresistivelmente lindo.
-Quebrado? Aleijado? Destruído? Acidentado? - ele me olhou intensamente, com aquele sorriso simpático e irônico, esperando pela minha resposta, enquanto eu demonstrei meu nervosismo roendo boa parte das minhas unhas.
E aí eu resolvi me entregar um pouco.
-Lindo, te define bem no momento! - eu falei desviando minha observação para o alto, quando a lua imponente cheia e misteriosa envolta por nuvens, me envergonhou mais ainda.
Não era momento de encara-lo, seria admitir minha completa vulnerabilidade.
-Isso significa que você ainda aprecia minha beleza? - ele questionou provocante me tocando levemente no queixo.
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Os Cinco (EM REVISÃO)
AvventuraQuando se é jovem, sempre se busca uma nova aventura, um novo caminho a seguir. Uma forma de ousar, de seguir em frente de forma diferente. De formar sua gangue de amigos queridos e compartilhar entre eles seus sonhos, medos e desejos futuros... Mas...