Capítulo 14 - Julia

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-Você quer que eu te acompanhe? - insistiu Patricia apertando com força os nós de minhas mãos e observando a vagareza de minhas passadas enquanto eu me concentrava no trajeto de uma folha amarelada e ressecada que havia se desprendido dos galhos praticamente nus de uma árvore que se escorava na ponta direita do prédio do hospital.

A brisa reconfortante tinha um aroma florido e uma textura macia, levitando aquela folha morta sem rumo, para longe de sua origem, de sua matriz.

E na simplicidade daquele acontecimento, pude perceber que há momentos que forças externas podem te empurrar para pântanos inexplorados, te afastar do lugar em que você se agarra com suas forças. A vida tem planos maiores. Nossos desejos, sonhos, futuro e relações estão condicionados pelas nossas escolhas mas em última instância, pela boa vontade desses fatores motores que modificam seu rumo.

Como tinha acontecido com a folha, que se pudesse emitir vontade talvez não quisesse vagar impotente e flutuante, longe dos galhos de onde ela ainda, eventualmente, se nutria e se mantinha viva.

Por força da brisa que em mim, era um sinônimo de alívio e felicidade por estar livre novamente. Mas para a folha era um sinônimo de distância, dor e sofrimento.

O que me levou a mais uma epifania surpreendente. Os fatos podem ser avaliados sob pontos de vista e perspectivas diversas. A quem agradava o meu distanciamento de Ricardo? Se eu parto do pressuposto que isto me oferecia uma penitência, uma ardência, uma ferida exposta...

Quem se beneficiaria daquilo?

-Eu estou bem... Nos encontramos mais tarde, no hotel... - informei, procurando incessantemente algum outro foco, um outro assunto que não pusesse a minha fraqueza física e confusão mental tão em evidência para Patricia. Não queria lhe oferecer mais preocupações.

-Mas se eu for com você, ficar com você em seu quarto, você não acha melhor? Sua mãe quer conversar com você também... Você vai precisar de apoio... Veja bem, eu te conheço amiga, você tem estado muito pensativa, muito concentrada em detalhes, em suposições, em possibilidades... Eu quero que você divida tudo comigo... Eu sei que você não pode se abrir com a mesma profundidade com o Etan e com o Tadeu também... Sei que, no entanto, você precisava da presença, do apoio e do perdão deles... Pra seguir...

Firmei as sandálias discretas de meus pés no fim das escadas da entrada do hospital. Estiquei minha camiseta amarela pega às pressas pela minha mãe Ivone quando Patricia a informou que eu estava de saída. Que eu estava voltando pra casa.

Aquela camiseta era inadequada, era pequena demais, devia ser algo que eu usaria com meus doze anos de idade.

Talvez minha mãe também estivesse caótica e desorientada.

Ela nem tinha me feito uma visita oficial ou formal no hospital, afinal.

-Paty, eu vou lhe contar tudo o que venho pensando e cogitando comigo mesma... Hoje a noite, eu prometo, lá no Hotel...

Paty assentiu com a cabeça suavemente se curvando, enquanto ela me puxou para um banco de madeira desgastado pelas intempéries, rachado em alguns pontos, descolorido em outros, mas não menos charmoso.

Ao lado, havia um poste com iluminação parcialmente aceso. A tarde se despedia e o céu se coloria de um azul limpidamente claro, sem nuvens e com um sol se pondo discretamente ao fundo em tons quentes em laranja.

-Por que você não começa agora, enquanto seus pais não chegam? - ela me indagou ainda com umas das mãos presas e entrelaçadas às minhas, sorrindo apenas com os lábios.

Suspirei e percebi que era hora de lhe revelar alguns dos meus próximos passos e quando ela observou que eu tinha baixado a guarda e saído da defensiva, ela não conteve uma gargalhada.

Aos poucos, tudo se acalmava, eu percebi logo de cara.

-Bom, antes de tudo, eu vou ficar com Gabriel, e talvez, eu me case com ele. É isso o que quero...

Esperei por alguma careta ou reação negativa mas Paty apenas ansiou sorridente pelo meu encadeamento de planos.

Eu continuei.

-Mas nada será assim de imediato. Eu sei que devo algo a vocês... E vou fazer o possível pra lutar pelos meus amigos, pelos cinco, porque eu tenho sido uma covarde. Estou falando da armação dos três a respeito da questão do Vestibular. Eu condiciono o meu casamento à divulgação de toda a verdade... Eu quero que nós todos juntos, nos reconciliemos...

-O que você está propondo? - Paty me questionou com tom espantado e os olhos brilhando.

-Um cessar fogo, um aperto de mãos, o fim da rixa entre os cinco e os três... Não proponho que sejamos todos amigos, mas que não sejamos inimigos. A vida tem planos maiores. Essa é a minha missão...

Disse em tom seguro e confiante, contente por ter um novo foco.

Repeti em meu íntimo.

A vida tem planos maiores.

Os Cinco (EM REVISÃO)Onde histórias criam vida. Descubra agora