Gabriel punha as mãos na testa, as esfregando de forma doentia e preocupada. Seus cabelos estavam tingidos de um loiro mais escuro, por estar molhado, pingando gotas no chão de mármore, audíveis para o meu corpo em alerta. Ele vestia uma camisa quadriculada mal passada e com botões erroneamente conectados.
Tudo nele era preocupação e ele me avaliava de cima a baixo com as pupilas arregaladas e a boca repuxada montando uma careta em sua face.
-Ju, tem como você me ouvir? Você precisa voltar para a sala de repouso nesse momento... Você não está totalmente recuperada...
E mesmo com Gabriel com aquela sua aparência retocada e perfeitamente linda não seria capaz de refrear meus impulsos.
Eu estaria ao lado do meu namorado em sua operação, segurando suas mãos com força, demonstrando que eu estaria sempre ao seu lado.
E que os cinco não estavam acabados.
-Eu preciso conversar com você, amor... E você sabe disso... - me disse Gabriel com a mesma voz agradável de sempre me beijando com seus lábios frios em minha bochecha.
E eu me esquivei em resposta, e ele se assustou com a minha reação. Pelo canto do olho pude ver Paty conter uma risada, mostrando um trecho fino de seus dentes e aquiescendo.
-Eu não preciso da sua preocupação agora Gabriel... Sabe do que eu preciso agora? Encontrar o meu namorado!
E ele segurou meus braços com um pouco mais de força e pôs sua testa encostada na minha e pude sentir as gotas de suor que haviam encharcado seus cabelos... Nossos olhos se encontraram e eu suspirei, sorrindo feito uma boba que não sabe bem o que pensar, nem como controlar a demonstração explícita de seus sentimentos. Sem me tocar que aquele gesto significava mais do que as obviedades mostravam. Aquilo era um sinal de que a simples presença atenciosa de Gabriel era suficiente para preencher o vazio que a falta de Ricardo e de meus amigos havia me deixado. Eu saberia lidar razoavelmente com o que estivesse por vir, com o fim da amizade e dos laços que nos ligavam desde criança se Gabriel me amparasse nesse caminho tortuoso. E Paty também me manteria em pé e lúcida, disso eu tinha certeza.
Ou era o contrário? Haveria espaço para um rompimento definitivo com Gabriel? Com ele assumindo suas funções como pai e eu seguindo minha vida ao lado de Ricardo, a quem eu sempre amei com profundidade e verdade?
Eu saberia escolher? Talvez eu fosse incapaz para decisões tão vitais e com repercussão não apenas na minha vida, mas na de meus amigos...
Foi quando eu momentaneamente arquivei minhas dúvidas e me conectei ao momento. E eu e Gabriel ficamos ali sorrindo um para o outro, ele acariciando meus braços e eu mergulhada no azul de seus olhos. Tudo mais pareceu mover-se em câmera lenta quando ele me abraçou forte e nossos corações passaram a bater na mesma velocidade rítmica. Eu, com o rosto encostada em seus ombros e ele ofegante nos meus ouvidos.
-Eu pensei que fosse te perder... E eu não saberia como suportar isso... Eu acho que nunca disse que te amo! Julia, eu te amo... Você sabe disso?
E eu o beijei como fizemos da primeira vez. Nossa respiração ficou em suspenso e nossos pensamentos entrecortados pelas sensações dos nossos corpos próximos e entrelaçados. Ele pousava com firmeza e urgência suas mãos em minha bochecha e eu puxava ele pra mais perto pelo pescoço também molhado. Os nossos lábios perderam a umidade natural e pareceram fumegar em brasa.
Tudo ali era fogo!
Foi quando quando o momento especial me promoveu uma revelação surpreendente. Eu senti meu bebê mexer e me desvencilhei com força o impulsionando para longe de mim por meio de seu peitoral.
-Paty, ela mexeu! A criança mexeu!
E ela deu saltos de felicidade, batendo palmas abafadas e me oferecendo sorrisos sinceros, pondo as mãos leves e macias em minha barriga com uma protuberância já aparente.
E Gabriel me puxou pelo braço com uma força desnecessária me fazendo gemer de dor e fazendo com que Patricia me puxasse do lado oposto com igual força.
Os dois se olharam, Patricia e Gabriel com expressões enraivecidas e os olhares faiscantes prestes e gerarem fogo.
-Amor, essa criança... Você está grávida? Essa criança é minha? Me fala, por favor... Era isso que você queria me contar? O que aconteceu na noite de ontem que te trouxe até aqui? - e ele foi disparando feito uma metralhadora suas perguntas intermináveis com as mãos nos bolsos, tentando fingir casualidade. Mas ele estava nervoso, suando frio e molhado, mais do que quando me viu.
E era a hora de contar.
-Gabriel, essa criança é sua...
E ele me abraçou alegre ignorando o cruzar de braços de Paty demonstrando indignação e descontentamento.
Uma coisa é eu convencer minha amiga a ficar do meu lado, outra coisa é fazer com que ela perdoe meus erros com tanta facilidade.
E Gabriel me distribuiu beijos carinhosos pela bochecha, radiante com os olhos brilhantes e mais deslumbrantes que o normal.
E naquele momento de puro êxtase e contentamento, eu ouvi repentinamente gritos perturbadores e suplicantes de Ricardo pelo meu nome e eu fraquejei me segurando em Paty, zonza e sem reação.
Ricardo se debatia numa maca com o rosto negro de fuligem. Um corte profundo no peito ainda aberto e derramando gotas de sangue. O rosto irreconhecível em uma máscara de dor, com os olhos fechados.
Um cheiro insuportável de carne apodrecida no ar.
Ele punha as mãos na perna esquerda inchada e avermelhada com focos de queimadura expondo parte da pele esbranquiçada.
-Julia, eu preciso de você... Eu te amo... Fica comigo! - ela gritava em delírio, e eu corri a seu encontro segurando suas mãos com força e ele me apertou de volta como que me reconhecendo.
E os médicos cirúrgicos correram pelo corredor com a minha companhia tranquilizadora ao lado de Ricardo compartilhando os resultados de um exame.
-Acho que precisaremos amputar... Acho que não tem mais jeito!
E eu segurei minhas lágrimas apertando mais forte as mãos de Ricardo, olhando para trás e observando de longe um sorriso enigmático de Gabriel.
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Os Cinco (EM REVISÃO)
AdventureQuando se é jovem, sempre se busca uma nova aventura, um novo caminho a seguir. Uma forma de ousar, de seguir em frente de forma diferente. De formar sua gangue de amigos queridos e compartilhar entre eles seus sonhos, medos e desejos futuros... Mas...