CAPITULO 17 - Ricardo

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-Verona? - Tadeu perguntou com entonação contrariada, me puxando pelo ombro para atravessar a rua antes que o sinal abrisse para os carros.

-Isso é marca de esmalte! É um nome bem original e diferente... Deve ser gata...Exótica! - anotou Etan quando passamos por uma rede de restaurantes de comida japonesa.

-Quem te vê assim, acredita nessa tua pose de machão... Só não percebe que você é uma gazela que usa esmaltes! - ironizou Tadeu se escondendo atrás de mim enquanto eu tentava me equilibrar naquelas pernas de pau de circense.

Seria difícil eu me adaptar a uma aparência física incompleta.

-Quem desdenha quer comprar, amigo... - Etan deu um chute cenográfico na bunda de Tadeu que gargalhou e deu um pulo se esquivando.

Eu me desequilíbrei ao rir dos dois com meus gestos impulsivos e despenquei no meio da calçada.

Os dois correram ao meu encontro como se tivessem me visto ser atropelado, voando até a lua e voltando, quebrando todos os meus ossos até virarem pó, me contorcendo no asfalto. Suas expressões eram de piedade, preocupação e medo, sentimentos muito bem caracterizados em suas feições, em níveis extremados.

Eu então senti percorrer algumas gotículas de suor em minha testa materializadas pelo meu constrangimento e forcei meus músculos a trabalhar em dobro. E antes que eles me socorressem e eu recebesse o atestado de incapaz e deficiente, me ergui com esforço sobrehumano.

Fiz uma careta de dor que não pude controlar, suspirei em alívio e sorri para os dois antes que eles viessem com seus pedidos de desculpas ou suas mãos que ao invés de me amparar, me faziam parecer um idiota aleijado.

É verdade, eu era um, mas entre a realidade e as aparências, há uma linha tênue e manipulável. Quanto mais forte e independente eu parecesse naquela condição subalternizada, mais eu me sentiria menos humilhado.

-Enfim, preciso que vocês me ajudem a desvendar esse mistério... - disse liderando o grupo e sentindo fisgadas dolorosas nos músculos dos braços.

-Eu preciso de mais detalhes... - Tadeu solicitou enquanto retirava os óculos e olhava desorientado para o longe a frente, limpando as lentes nas extremidades da sua camisa.

-Bom, nada além do que eu já lhe disse. Minha mãe mencionou a existência dessa mulher que eu nem sei ao certo se está viva com ódio mortal... - eu esclareci enquanto Etan nos acompanhava retirando pontas teimosas de seus cabelos negros que lhe atrapalhavam a visão.

-Não se pode dizer que temos nada ou nenhuma pista, afinal. Por exemplo, se analisarmos friamente as construções frasais pronunciadas pela sua mãe veremos que ela associa o incêndio na danceteria à morte do fantasma Verona.

-Isso significa que talvez ela seja uma das mortas no incêndio. - Etan contribuiu com sua estupidez de sempre.

-Óbvio que não, babacão... Nem há confirmações de mortes, pelo menos não até agora... Só feridos. Vamos prestar mais atenção... Ela disse que a destruição do estabelecimento levou à morte de um fantasma... Veja bem, ela não se refere à morte física e natural de uma pessoa, mas à morte de um símbolo, um fantasma, alguma lembrança ruim... Algo que estivesse impregnado nas paredes daquele local... Se tudo se corroe, se tudo volta ao pó e as cinzas, teoricamente, esse fantasma também é exorcizado junto... - divagou brilhantemente Tadeu com aquela curiosa expressão sapiente.

-Isso faz absoluto sentido, porque minha mãe até comemorou quando disse que o património do meu pai estava ruindo e que ela poderia sobreviver bem apenas com as economias dela... - eu procurava demonstrar meu momento de claridade, como se algumas nuvens estivessem se desmanchando no ar.

-Calma! São apenas possibilidades... O que sabemos então é o seguinte: a sua mãe preferiu assistir a derrocada e a ruína do estabelecimento do seu pai porque estabeleceu-se algum laço prejudicial e nocivo entre essa Verona e o lugar. É como se a imagem da empresa estivesse se mostrando de uma forma negativa para a sua mãe, muito por conta dessa promiscuidade entre a figura dessa mulher e a "Dance with me"... - Tadeu encadeou com mais elaboração o raciocínio enquanto Etan me direcionou com cuidado para uma loja de bebidas na  esquina e puxou Tadeu pelos braços.

-Eu sei que algumas boas doses de uns bons drinks farão vocês queimarem menos a bufa... Vocês se sentirão mais leves e tudo ficará mais claro... - Etan abriu a porta de vidro onde se pendurava uma placa escrita "Aberto" da cor verde, enquanto eu revirei os olhos e Tadeu lhe desferiu um fraco soco nas costas que o fez fraquejar.

-Pinguço! - foi o que ele disse.

Quando entramos, avistamos uma geladeira repleta de garrafas de guaraná sabor limão e eu agarrei um daqueles recipientes frios para tomar um gole enquanto Etan vasculhava as prateleiras por algo com alto teor de álcool.

Tadeu me auxiliou contra minhas explícitas negativas, a me sentar em uma das mesas e continuou a me explicar suas suposições quando pôde me olhar nos olhos novamente, sussurrando.

-Mas tem uma peça que não encaixa muito bem porque me parece que não há razão plausível para que a sua mãe tenha sentido vontade de destruir ela mesma aquele lugar simplesmente por que essa tal de Verona fez algo ruim. O que faria com que sua mãe sentisse essa vontade financeiramente suicida? Porque no fim das contas, aquela empresa também é dela... O que seria capaz de a fazer sentir esse ódio ou esse desprezo auto prejudicial...?

-E se for algo para além da Verona...? E se for uma vontade de derrubar o meu pai? E se meu pai cometeu erros e ela acabou por se sentir aliviada quando viu a empresa ser incendiada?

-E se for algo que una seu pai e Verona num mesmo conjunto, num mesmo alvo?

E eu deixei minha garrafa de refrigerante de limão entornar na mesa quando percebi o que tinha que enxergar desde então.

"Isso tem a ver com o fato de eu saber como é se sentir traida como você se sente agora, meu filho..."

Traição.

Essa era a chave.

Os Cinco (EM REVISÃO)Onde histórias criam vida. Descubra agora