Capítulo 5 - Julia

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Aquela era uma noite infernal, talvez a pior da minha breve vida. E eu havia me preparado para ela, psicologicamente, da melhor forma possível.

Lidar com uma inimizade mortal entre as duas pessoas que você mais ama nessa vida é se sentir destruída e dilacerada a cada movimento. Viver emocionalmente equilibrada tem sido difícil desde o momento, com meus 14 anos, que durante a aula de Química, Gabriel me chamou para uma conversa reservada na sala do almoxarifado da escola.

Quando aceitei, resistente à proposta repentina e estranha de conversa, soube que ele estava apaixonado por mim como nunca tinha estado por mais ninguém. Aqueles olhos azuis feito uma piscina em que você mergulha com o sol à pino procuraram em mim qualquer sinal de correspondência e o meu sorriso lhe deu o verde que ele tanto esperava.

Foi quando ele buscou num dos armários da sala mal iluminada um buquê de rosas levemente perfumadas que em seguida me ofereceu, perguntando se eu era capaz de romper com meus melhores amigos para começar um namoro com ele num sussurro carinhoso e, curiosamente, suplicante. Eu, obviamente, demonstrei o choque que qualquer pessoa em sã consciência sentiria num contexto tão inesperado quanto aquele.

Me lembrei, naquela fração de segundos, dos momentos extremamente felizes que meus amigos haviam me proporcionado. E esses eram muitos e marcantes, como quando fizemos o nosso lual durante as férias de Fernando de Noronha. As confusões e enrascadas em que nos metemos quando ainda éramos crianças. Ou o dia em que invadimos o orfanato da pequena cidade de Santa Fé em que moramos, em busca de maiores informações sobre os pais de Etan, que havia sido adotado ainda bebê. Ou as noites em que nos reunimos no arranha céu Seu Lar, um hotel para pessoas refinadas que tinha uma vista incrível para a cidade e seus entes vivos com iluminação artificial, aço, vidro e concreto e o céu negro, com invasões de estrelas luminosas e puras. Os cinco eram mais do que uma ganguezinha rebelde, era uma união de pessoas queridas.

E foi por isso que eu disse não à proposta de Gabriel, mas não só por isso.

Também não queria trair a confiança, ser desleal àquele que tinha me amparado, me amado da forma mais profunda e fraterna nos momentos mais felizes e tristes da minha adolescência e juventude. Não podia esquecer de Ricardo e nunca esqueceria dele.

Mas todas as pontes e a forte ligação que estavam sendo estabelecidas entre mim e Gabriel, para sempre, se fixaram em meu coração quando ele me puxou pra mais perto e me deu aquele beijo altamente sensível, quente, flamejante com seus lábios oferecendo pressão ao meus como nunca antes tinha se dado.

Eu já tinha beijado Ricardo inúmeras vezes, obviamente, mas nada como aquilo, por isso até prefiro pensar que aquele foi o meu primeiro. E, pensando bem, realmente foi.

No entanto, apesar da minha negativa, nada fez com que ele desistisse de me acompanhar sempre e à todo momento nas sombras, sempre à minha espreita ou falando comigo via mensagens instantaneas. Ele não tocou mais no assunto namoro até o dia em que...

Na tela no meu celular já estavam visíveis as minhas mensagens enviadas à Gabriel e eu soube que era uma inutilidade procurar fugir.

"Precisamos conversar..."

"Sobre a nossa noite."

Era o que havia ali escrito. Era o que todos já tinham lido. Era o que Ricardo tinha lido.

-Eu quero que você me explique isso... Será que é tão difícil assim fazer isso? O que você estava falando com ele? O que o Gabriel tem com você? Você está grávida? De quem é essa criança? - esbravejou Ricardo com os traços do rosto duros e marcados e o olhos em chamas nos meus, arremessando o celular secamente no asfalto e o pondo em frangalhos, com fragmentos de aço, vidro e plástico amassado, tamanha a força.

Tadeu puxava ele com força em seus ombros, provavelmente impedindo que ele avançasse em minha direção. Tadeu suava frio e tinha uma expressão preocupada com a boca entreaberta e os olhos em mim demonstrando nojo e desprezo ao mesmo tempo, como nunca havia cogitado ser possível. Ele já havia entendido tudo...

Paty punha as mãos em minhas costas impedindo que eu desabasse naquele exato momento. Me recusei a ver seu rosto, com medo de sua reação. E se nem ela me entendesse, quem seria capaz de fazer isso? Mas soube que ela estava sofrendo por mim. Seus soluços e a secreção do nariz que ela constantemente sugava demonstravam que ela estava chorando.

Etan se punha ajoelhado com o rosto no chão ao lado do meu telefone recém arremessado, as mãos puxando os próprios cabelos. Ele se punia antecipadamente pelo que estava por vir...

Foi quando tomei coragem e levantei meus olhos manchandos com minhas lágrimas misturadas com o resto do lápis de olho, pálida e trêmula como nunca antes havia estado e contei a verdade.

-Eu estou grávida, e esse filho é dele... De Gabriel!

E eu me senti repentinamente sem energias, meu sangue circulando em velocidade e volume mínimos. Só desisti de lutar e despenquei no chão, não sem antes ouvir o baque do meu desmaio e meus lábios fracos pronunciarem.

-Eu sinto muito...

Os Cinco (EM REVISÃO)Onde histórias criam vida. Descubra agora