Capítulo 10 - Ricardo

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Eu senti fios de vento suaves me envolverem no cair da tarde. O céu estava tingido por faixas rosadas e azuladas contrastantes com um pôr sol vibrante e alaranjado forte. Eu corria descalço sentindo a aspereza do concreto da quadra e sujando meus pés com poeira e terra. Chutei a bola com cuidado, pontaria e destreza do meu campo e ela alcançou o ângulo direito da trave sem adentrar na rede.
Julia agarrou a bola com uma das mãos se abanando com a outra e respirando pesadamente me fornecendo beijos com as palmas das mãos:
-Viu, galera? Meu namorado é craque... Por que eu não sou do time dele? -perguntou ela refazendo o coque de seus cabelos bagunçados e puxando seu vestido roxo escuro na altura dos joelhos.
-Porque os casais não ficam no mesmo time. Somos eu e Ricardo, contra você e Paty... - Etan me forneceu um tabefe fraco na bunda e puxou minha camisa em mais uma de suas exibições homossexuais:
-Galã, porque você não acertou aquele gol, seu caolho?
-Cara, você está reclamando de que? Devemos estar ganhando de lavada... Quem está contando?
Etan correu na direção de Patricia de braços abertos enquanto ela, distraída, digitava no celular de última geração vestida em um macacão com estampa de onça.
Suas unhas estavam recém pintadas com um vermelho fosco e ela as protegeu quando viu seu amado de cabelos bagunçados, apenas de shorts e suando em bicas vindo lhe abraçar.
-Etan, sai de perto de mim... Seu viado nojento... - ela se encolheu na grade se esquivando na defensiva.
-Só sei de uma coisa... Essa formação é extremamente injusta! Jogar com Patricia e jogar sozinha é praticamente a mesma coisa... E vocês sabem disso! Mas insistem em me torturar....
Patricia puxou uma mecha de seus cabelos reluzindo nos últimos raios do dia, mascando um de seus chicletes de menta quando disse:
-Querida, se eu tivesse que lhe dar uma resposta via mensagem pra essa sua choradeira, seria um "Aff" daqueles bem exagerados com trezentos "efês"... Captou?
Julia segurou uma das traves opostas abraçando a bola com uma das mãos em sua cintura dando risadas altas.
-Eu acho que o Tadeu está contando... - eu disse de repente me aproximando mais dos três enquanto Etan tentava convencer Paty a retirar os saltos agulha inapropriados que ela usava. Era preciso que ele se ajoelhasse, mas ela é a Patricia. E a Patricia é osso duro de roer... Peguei a bola das mãos de Julia, a beijando fortemente em sua bochecha enquanto ela sorriu de volta com aquela sua expressa suave e mais doce que algodão doce, adoçado com uma tonelada de açúcar refinado. Ela é minha garota especial, por isso não uso o açúcar mascavo...
Quando agarrei a bola, a arremessei na direção de Tadeu que escondia o rosto submerso na leitura de um livro de "Física Quântica" enquanto todos pareceram ficar em câmera lenta. Com o baque e o susto da bola em sua direção, ele deixou o livro despencar ruidosamente no chão enlameado, tropeçando em seus tênis All Star desamarrados.
Quando Tadeu se recompôs e organizou milimetricamente seus óculos remendados com esparadrapo no meio, ele me olhou furioso e correu em minha direção com a velocidade de um Flash...
Eu fugi dele arranhando os calos do meu calcanhar com os fragmentos de concreto que feito pedrinhas se desprendidam.
Todos rimos em uníssono e eu avistei o rosto extremamente feliz de Julia cujos teimosos cabelos já haviam se soltado e envolviam seu rosto fino que me fazia perder o fôlego e suspirar todas as manhãs.
A imagem foi ficando mais turva, as cores foram perdendo vivacidade, tons negros começaram rapidamente a tomar suas regiões. Caretas sombrias e assustadoras tomaram seus lugares e eu respirei como que pela última vez caindo na escuridão assustadora do chão movediço. Olhei para minhas pernas e estava sem uma delas...

-Acordem ele, por favor... Agora!

-Senhora, se acalme... Ele só se assustou com a notícia... Ele está dormindo... Veja, seus batimentos cardíacos estão só um pouco altos... Mas ele está vivo e não há necessidade e acorda-lo agora... Ele precisa digerir isso da forma como ele melhor considerar... Chamaremos o psicólogo para quando ele acordar...

-Vocês não vão chamar psicólogo nenhum... Meu filho não está louco... Só foi machucado por quem ele jurou ser fiel e leal...

-Ele precisa de acompanhamento psicologico... Ele está sem uma das pernas... Ele precisa de seus amigos também... Eu vi eles passando aqui mais cedo antes da garota aparecer...

-Todos traidores... Você viu de que lado eles ficaram? Os três protegeram a Julia, aquela prostituta, que deita na cama de qualquer um... Eles a ajudaram a sair daqui depois que eu ajudei a arrancar aquele câncer de perto do meu bebê...

Malditos! O meu filho não merece isso... Ele não vai mais entrar em contato com esse tipo de pessoa cruel e maldosa...

-Eu sinto que a senhora precisa de um calmante... Sei que é proprietária da boate que sofreu um incêndio agora a pouco... As más notícias se acumularam e a senhora não conseguiu lidar com elas da melhor forma possível...

-O fantasma Verona está finalmente morto! E isso é um alívio, meu querido enfermeiro... Santiago observará lá do inferno o seu património ruir... Estou livre daquilo... Não me importo com prejuízos... Tenho minhas economias e Carrara cuidará disso pra mim...

Eu tossi pondo as mãos no meu abdômen, e perguntei confuso, abrindo meus olhos com dificuldade:

-Mãe, do que a senhora está falando?

Os Cinco (EM REVISÃO)Onde histórias criam vida. Descubra agora