Os Cinco (EM REVISÃO)

Capítulo 6 - Patricia

Ajudem ela! - eu disse com a voz esganiçada, secando as lágrimas do meu rosto com os pulsos e soluçando.

O carro do pai de Ju saiu cantando pneus em alta velocidade. Ricardo saiu em ziguezagues, derrubando cones e voando do estacionamento guiando o veículo.

Contra o silêncio sombrio e eloquente que pairava sobre nossos ombros disputava uma música eletrônica ao longe com uma dessas letras eróticas na festa sob a companhia de feixes de luz neon multicolorida.

Os casais requebravam na pista, as garotas ja perdendo as estribeiras e desmontando a fantasia, rasgando os longos vestidos e mostrando as coxas grossas para seus namorados saidinhos.

Eles eram a felicidade estampada e reforçada enquanto nós éramos o sofrimento repentino.

E eu não soube explicar em que momento mudamos de lado...

Julia estava com o corpo inerte, pálido e com a respiração fraquíssima no asfalto desmaiada. Havia gotas de suor deslizando delicadamente por todo o seu corpo. Nunca tinha experimentado um segredo tão mortal ao ponto de desestabilizar por inteiro uma pessoa.

E foi assim com Ju, logo após ela proferir as palavras que todos nós já esperávamos, sem prestar atenção, no entanto, que efeitos devastadores surgiriam da revelação. Ela não estava preparada pra tamanha carga de emoção acumulada e guardada a sete chaves. Lembranças que ela nunca tinha partilhado conosco porque significavam nossa fragmentação e destruição completa. Uma hora ela explodiria, mas a gravidade foi tamanha que suas funções vitais foram obrigadas a serem reduzidas no limite. Ela teve de desmaiar ou não aguentaria.

-Paty, ligue para o ambulatório mais próximo... Eu sei que você tem o número deles. Eu vou atrás do Ricardo ou o pior acontece... Etan, você consegue ajudar a Patricia a carregar a Julia para o hospital não é?

Eu sufoquei um berro que vinha das profundezas do meu eu. Eu não saberia como lidar com o fim da nossa amizade, e eu sabia que dependendo de quem escolhessemos seguir, estaríamos fadados ao isolamento. Agora, Julia e Ricardo estavam se colocando em planos completamente opostos, e eventualmente teríamos de escolher a quem defender. Eu poderia dizer que talvez Tadeu fosse a nossa única esperança. Mas talvez nem ele, com sua inteligência e serenidade, fosse capaz de mediar uma situação extrema como essa. Eu lembro de sua reação de desprezo ao olhar para Julia no momento em que ele teve de segurar Ricardo pelos ombros. Era o tipo de cena que não se esquecia facilmente.

-Paty, você está bem? Nós precisamos ser fortes agora, por eles... - me sugeriu Etan com os cabelos desarrumados e a calça jeans empoeirada e com rasgados consideráveis na região do joelho que estavam pingando sangue negro.

Meu namorado se aproximou mais de mim e me tocou no rosto com suas mãos ásperas.

-Não é hora de você se preocupar comigo... Lembra-se que eu estive ajoelhado? Um dos cacos de vidro do telefone de Julia me rasgou a calça e me deu esse corte sangrando de presente. Pode ficar tranquila... Não está nem ardendo.

Foi quando Etan pôs Julia imóvel nos braços e a ninou lentamente com um gesto de carinho. Isso significava que, se tivesse de escolher um lado, ele ficaria com Julia? Eu tinha certeza que, se ele me ouvisse, a resposta seria afirmativa.

Acontece que eu ainda torcia, feito uma idiota, que tudo permanecesse intacto e os cinco não tivessem que rachar ao meio... Mas eu também sabia que era uma torcida inútil.

-E o plano? - perguntei para Tadeu, procurando freneticamente na página de contatos do meu celular, o número do hospital. Fazer uma pergunta daquelas era como se agarrar ao não-trágico, ao não-sofrimento, ao comum, ou assim eu imaginava.

-Precisamos repensar esse plano... Eu quero dizer, com essa criança as coisas mudam um pouco... Não se trata de dizer a verdade apenas, mas de humilhar o pai do filho da nossa amiga... E isso é um fator novo que nós ainda não consideramos. Eu já me comuniquei via mensagem com o Doutor Tavares e desmarquei... Eu estou indo... Vou pegar um táxi pra ir atrás do Ricardo... - Tadeu veio com os músculos da face contraídos e com as pernas travadas me dar um beijo no alto da testa e, em seguida olhou longamente para Etan, ainda segurando Julia.

-Eu só preciso que vocês suportem a pressão... Eu sei que está tudo muito difícil, mas vai dar certo... Superamos isso... Eu sei que podemos... - disse Tadeu com as mãos no ombro de Etan, como que repetindo aquelas palavras para si mesmo. Como se ele estivesse se esforçando para acreditar nelas. Como se não fossemos mais capazes de superar aquilo tudo.

Ele retirou seu blazer e calmamente, com movimentos calculados vestiu meus braços descobertos trêmulos. Eu lhe concedi um sorriso de agradecimento e ele me abraçou, inicialmente receoso e logo depois mais forte. Meu coração se aqueceu e se sentiu mais acolhido. Os meus membros falecidos e dormentes sentiram a necessidade de apertar Tadeu contra mim com igual força, em retribuição. Senti seus músculos rígidos e me senti mal por ele. Era a primeira vez desde o acontecido que eu sabia realmente o que fazer.

Quando nos soltamos, nossos olhares ternamente se encontraram e ele disse o que eu e Etan precisávamos ouvir.

-Eu juro que não desistirei de nós cinco nunca... Nunca!

Ele caminhou com menos tensão logo depois, indo em direção à autoestrada à procura de um táxi o mais rápido possível.

E, naquele exato momento, ouvimos um estrondo explosivo e uma coluna de fumaça e fogo repentinamente clarear a noite escura. Tadeu se moveu bruscamente correndo para a beira da estrada e colocando as mãos no rosto. E numa fração de segundos, o nosso amigo estava gritando e chorando copiosamente.

-É o Ricardo.... É o carro do pai da Ju... É ele... Um acidente... O Ricardo sofreu um acidente!

A música alta perdeu sua força e ouvimos gritos e passadas razoavelmente coordenadas vindo na nossa direção. Todos queriam saber quem era o acidentado, todos queriam saber quem estava prestes a morrer, levando-se em conta a gravidade da explosão.

E eu soube, definitivamente, que nós nunca superariamos aquilo. Nunca!