Capítulo 21- Julia

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Nunca poderia imaginar, nem mesmo em meus pesadelos mais agudos, que eu teria que detalhar a minha primeira vez justamente para ele. Mas, por mais que  Ricardo parecesse um apaixonado suicida desses que suplicam pelo sofrimento, eu o compreendia.

Quando um chão lhe é roubado dos pés seguros e te faz despencar por um desfiladeiro sem fim, seu primeiro pensamento depois de gritar, é se perguntar como aquilo aconteceu.

E Ricardo já tinha urrado de dor o suficiente. Agora era hora dele compreender todos os fatos nos seus mínimos e tormentosos detalhes.

E o problema era justamente esse.

Eu não tinha a menor ideia dos detalhes.

Senti um arrepio sinistro na nuca e meus joelhos tremeram quase me traindo e me fazendo cair. Com dificuldade, me mantive lúcida e ereta, sem demonstrar meu nervosismo repentino para Ricardo.

Ele merecia saber a verdade.

Minha garganta se fechou com o nó ali formado e disse sem pestanejar com a voz estrangulada.

-Eu não me lembro da minha primeira vez... Só tenho alguns flashes em mente...

Ele afrouxou o aperto de seus braços me envolvendo e eu me preparei pelo pior.

O que aquela informação significava para ele?

Faria eu parecer menos diabólica e cruel ou faria eu parecer uma pessoa pior e mais imoral?

Ou era insignificante?

-Como assim? Quero que você me explique tudo... - ele sussurrou em meu cangote e eu soube que ele estava a um fio da completa insanidade.

-Devo começar pelo começo então, obviamente. Eu só queria dizer que nada foi planejado ou cogitado antes da hora... Foi tudo muito questão de momento e impulso! Aconteceu na noite da festa de aniversário do Etan no lual da Praia Vermelha. Estávamos dançando eu e você a música que gostamos e tudo caminhava normalmente, sem problemas ou chateações. Até que os três chegaram e o clima ficou um pouco mais tenso e pesado, já que eles não haviam sido oficialmente convidados. Eles eram penetras e tal... A Marta estava muito gata naquela noite, absolutamente chamativa. Qualquer cara estaria disposto a beijar aqueles lábios carnudos e vermelhos, sem falar naquelas saias curtas e um pouco vulgares, exibindo suas coxas avantajadas. Você sabe do que eu estou falando porque você esteve bem junto dela...

Eu ia continuar meu raciocínio mas Ricardo paralisou por um momento, mais gelado que o normal e me puxou um pouco para trás com delicadeza. Ergueu minha face ruborizada pela ponta do queixo e me fez sentir meus pulmões rarearem em oxigênio. Eu o olhei fundo e ele sorriu resplandecente e brilhante, me tocando na cintura com firmeza.

-Então quer dizer que era ciúmes... Você estava com ciúmes de mim com a Marta? Julia, nós só dançamos umas poucas vezes e foi bem rápido... Eu só tinha olhos pra você, minha linda...

Eu olhei para baixo envergonhada ao perceber a torpeza de minhas atitudes inconsequentes.

-Sim, ela estava quase te beijando ali mesmo na pista de dança... Patricia estava querendo lhe rogar uma praga, puxa-la pelos cabelos para fora dali. Mas eu disse que não era culpa dela, que o verdadeiro culpado era você. Que era você quem tinha que se tocar e passar aquela noite apenas ao meu lado! Eu tinha me preparado Ricardo... Era com você que tinha que ser... Eu escolhi ser com você... E não com ele!

Minhas palavras pairaram no ar denso e frio do adentrar da madrugada e eu sabia que ele tinha compreendido bem a mensagem. Porque ela era clara, dado o contexto e o teor da conversa. Ele olhou para o céu negro e momentaneamente sombrio sem as estrelas. Apertou os nós pálidos das mãos ao decorrenta-las de mim. Eu ouvi ele soluçar um pouco, enxugar uma lágrima solitária prestes a despencar para o chão de concreto.

-Contínue, por favor... - ele solicitou com a voz seca e baixa.

-Depois que você e a Marta ficaram mais amiguinhos e vocês viviam grudados um no outro, ela rindo de tudo o que você dizia e você a segurando nas costas enquanto ela te agarrava no peito, disse a mim mesma que era hora de eu curtir a festa sozinha na fossa. Patricia pediu para que eu ficasse longe das bebidas, quis que eu fosse pra casa, mas eu rejeitei a proposta e comecei a me embebedar de verdade... Eu bebi tudo o quanto pude, todos os wiskies, as tequilas, as cervejas e os drinks da festa... Bebi mais do que o que eu já tinha bebido em toda a minha vida...

-Foi quando eu te vi jogada na areia próximo das ondas e fui tentar te levantar e você pediu pra que eu voltasse para dançar e me divertir... Você disse que estava tudo certo, que você estava bem...

-Eu queria saber se você se importava, se você me amava de verdade! Pode ter sido por uma razão besta, mas eu sei que merecia mais consideração... Eu queria atenção! Queria te ter novamente ao meu lado... - eu gritei aos atropelos, relembrando trechos de memórias daquela noite, sendo anestesiada pela raiva e pelo medo, pondo o meu indicador em seu rosto.

Eu sabia que não seria fácil contar tudo pra ele.

-Eu te amo! Você nunca poderia ter duvidado disso! - ele revidou beijando o alto da minha testa enquanto eu sentia o seu aroma atravessar minhas narinas, oferecendo um sopro de vida novamente em mim.

Estávamos tão próximos quanto possível, como se fossemos um só.

-Eu sei que não tinha havido nada entre vocês dois mas mesmo assim eu quis me vingar... O Gabriel já vinha me rondando há tempos e naquela festa não tinha sido diferente. Ele esteve ao meu lado em todos os momentos. Inclusive naqueles em que você se afastou! Eu já o amava, mas havia optado por ser fiel a você... Até aquele momento!

-Então você não se lembra porque? - ele me questionou.

-Eu estava arrumada para ter minha primeira noite de amor com você Ricardo... Tinha vestido uma lingerie vermelha que eu tinha escolhido com o maior gosto... Eu estava tentando ficar o mais bela possível! Já estava tudo planejado! Seria uma noite especial! A mais especial de todas! E foi! Só que não foi com você... Foi com o Gabriel... Na cabana artesanal, foi onde nos deitamos... Eu estava com sede de vingança e me deixei levar. Apesar dos detalhes terem me faltado a percepção porque eu estava embriagada e ele também estava, sei o quanto prazer eu senti! Eu sei que eu fui uma idiota ciumenta, eu sei que se eu não tivesse bêbada nada teria se sucedido dessa forma! Eu só te peço perdão por ter errado tanto... - eu mergulhei em seu peito chorando, molhando o tecido de sua camisa, ao terminar.

A música parou de tocar.

Tudo ficou em silêncio e só ouvimos o barulho de nossas respirações.

Ninguém mais soltou uma singela nota de voz.

Apenas uma pessoa.

-Julia?

Era Gabriel.

Os Cinco (EM REVISÃO)Onde histórias criam vida. Descubra agora