Capítulo 12 - Ricardo

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-A "Dance with me" não existe mais, faz parte de um passado glorioso de seu pai... Sofreu um incêndio, agora são ferros retorcidos, estrutura exposta e fuligem...Filho, nós enfrentaremos toda essa situação juntos... Nos sustentaremos um ao outro reciprocamente... Não precisamos de mais ninguém... - disse-me minha mãe trocando as rosas e a água do vaso da cômoda pálida ao lado da minha cama.

Ela mantinha-se impávida, neutra e retilínea em seus movimentos, como que imitando um robô. Como que demonstrando um falso vazio de sentimentos. Como que procurando me proteger de tudo o que aqueles acontecimentos nos proporcionavam de ruim.

E eu agora sabia que somado ao meu conflito com Julia, sua traição, a criança que ela nutria em seu ventre de Gabriel, meu rival, o acidente que havia me retirado uma das pernas, decepando-a, havia um incêndio mal explicado na casa de eventos do meu pai.

Mas havia uma tal de Verona e um ódio marcante que dona Flavia Barreto Bittencourt, minha mãe, expressou em um espasmo de insanidade contra meu falecido pai Santiago quando disse, enquanto eu sofria em meus pesadelos, calado:

"O fantasma Verona está finalmente morto! E isso é um alívio, meu querido enfermeiro... Santiago observará lá do inferno o seu património ruir... Estou livre daquilo... Não me importo com prejuízos... Tenho minhas economias e Carrara cuidará disso pra mim..."

A memória me concedeu calafrios sombrios enquanto eu soluçava, chorando sem nem ao menos ter consciência da minha dor.

Era como se a ardência em meu coração, que pareceu fumegar em brasas quando soube da minha nova condição aleijada, estivesse entrando em letargia.

-Julia estará comigo, você queira ou não... E quando eu sair daqui, procurarei saber como ela está... E eu exijo que você se desculpe... - disse, apenas revelando uma verdade incontestável.

E minha mãe me olhou inexpressiva, sorrindo apenas com os lábios como que pressionando os dentes escondidos com força. Ela retirou uma camada fina de poeira ao lado do vaso de flor recém substituída antes de me acariciar o rosto:

-Sabe filho... Quando se é mãe, tomamos decisões extremas, muitas vezes a contragosto de nossas crianças, para o bem delas... Eu sei que o seu bem é estar longe dessa garota... O quanto for possível... E eu me refiro da mesma forma aos seus amigos... Eles escolheram um lado, eles estão com ela... E vão apoia-la a seguir em frente com essa ideia absurda de gravidez...

-Sei que são grandes as chances de eu não ser mais aceito pela Julia... Mas também sei que ela ainda me ama e por esse motivo, ainda tenho razões suficientes para lutar... A criança talvez não seja um impedimento... E ela não tem nenhuma culpa com relação à amputação... O acidente poderia ter sido evitado se eu tivesse reagido melhor à tudo... Se eu fosse menos explosivo... E os meus amigos... Bem, não me separarei deles nunca... E você saberá lidar com isso mãe...

Foi quando ela afastou um pouco as mãos de minha bochecha e eu só pude olhar seus olhos incendiarem novamente e ela morder os lábios com força, reforçando as marcas de expressão que lhe forneciam uma expressão diabólica.

Ela bateu com força a região ao lado das minhas orelhas, torcendo o pescoço, como que demonstrando que se fosse possível ela me bateria no rosto.

Ela se controlou para me dar um tapa.

E aquela tinha sido a gota d'água.

-Eu sou dono da minha própria vida... Não me venha com esse seu discurso de que se eu vivo no seu teto, se sou sustentado por ti, lhe devo obediência cega... Se for o caso, saio de casa e você não me verá nunca mais! - esbravejei o mais alto que pude, gesticulando incisivamente com minhas mãos trêmulas.

E ela apertou com suas unhas o local das minhas peles repuxadas na cicatriz da cirurgia e eu sibilei de dor. Ela queria me punir cruelmente pela minha reação indevida.

Foi quando me toquei que alguma coisa havia perturbado a minha mãe. Ela não era mais a mesma.

-O que houve? - perguntei a puxando pelo braço enquanto ela tentava se afastar de mim indo para um canto mais escuro do quarto.

-O que você quer dizer? - ela me perguntou olhando para baixo se escondendo de meus olhos atentos à suas reações.

-Isso tem alguma coisa a ver com essa tal de Verona...? Isso tem alguma coisa a ver com o que aconteceu na danceteria...? - perguntei sem pensar procurando unir as pontas de situações mal explicadas.

-Isso tem a ver com o fato de eu saber como é se sentir traida como você se sente agora, meu filho...

-Como assim? - perguntei lhe acariciando as costas das mãos agora trêmulas novamente.

-Você não está preparado para conhecer a verdade agora! Preciso ir resolver os problemas do acidente com o Carrara, o advogado da família... Já volto!

-Mas mãe... Eu preciso entender!

Eu gritei em vão.

Ela já tinha ido.

Os Cinco (EM REVISÃO)Onde histórias criam vida. Descubra agora