Capitulo 27 - Ricardo

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-Meu amigo, ele precisa dormir! O que você é afinal? Um enfermeiro brutamontes? Você esta me ouvindo? Solte ele! - Tadeu grita enquanto minhas retinas queimam com a branquidão do corredor pálido e sem vida do hospital.

O odor asséptico e alcoólico esta fumegando minhas narinas e alguma bruxa esta serrando meus miolos e dando gargalhadas que ecoam pelo espaço.

Aquilo é quase um corredor da morte.

-Estamos sendo educados com você seu merda! Tem como você soltar o nosso amigo e deixar ele dormir? - suplicou Etan ao meu carcereiro particular de jaleco branco que feito um Frankstein caminhava rigidamente e impávido.

-Eu disse que vocês tinham que ficar lá esperando eu retornar com ele... Ele só está indo conversar brevemente com o diretor do hospital... Nada que vá prejudicar seu tratamento... - o enfermeiro responde mecanicamente quando gira a maçaneta de uma porta lisa e de um azul delírio ou de um azul drogado.

Ao alto pude ler com minha visão desfocada pelas lágrimas uma placa laranja forte alarmante e desproporcionalmente monumental. Nela se inscrevia "Apenas pessoal autorizado"

Sou arremessado para dentro de um novo corredor maior e mais iluminado porém não menos perturbador. Isso por conta da multidão médica macabramente transitando feito operários em busca de meios para salvar vidas preciosas. Há uma profusão de profissionais com seus devidos crachás buscando medicamentos, tubos finos, bolsas de soro fisiológico, mascaras de nebulização e parafernálias de aço e vidro para seus pacientes.

Sinto Etan e Tadeu se afastarem de mim ao permanecerem do lado de fora quando giro minha cabeça lentamente e os observo me olharem visivelmente preocupados do portal de vidro retangular um pouco abaixo da placa no lado de fora.

Começo realmente a me sentir prestes a ser jogado numa câmara de concentração de judeus. Consigo inclusive sentir o gás toxico contaminar meu organismo combalido irreversivelmente. E o nazistinha Frankstein me guiando para a porta do inferno com movimentos ríspidos e inadequados a um manco sem uma das pernas.

Provavelmente a minha reação era inexplicavelmente absurda.

Mas eu sabia que não.

Sentia que algo muito sério iria me acontecer.

Meu ar exauriu, as minhas dores físicas, mentais e espirituais se intensificaram ao entrar no recinto presidencial. Havia um papel de parede de mau gosto de marinheiro com âncoras em tons de verde vômito berrante. Aquilo me deixou tonto.

Quando minha vista se ajustou à nova paleta de cores, vislumbrei ao fundo um quadro imenso ornamentado com uma imperial moldura dourada. Padrões circulares destacavam nas periferias a figura de um felino enigmático que cruzava a pata de modo provocante e olhava com o hipnotismo característico do losango esverdeado fascinante que eram seus olhos.

O gato era quase uma entidade, um vigia naquela sala bizarra.

A porta bateu atrás de mim e foi o ultimo ruido alto que escutei quando o enfermeiro discursou de forma gravemente solene, quase que seguindo protocolos diplomáticos.

-Senhor diretor, aqui está o paciente Ricardo Santiago que o senhor me solicitou. Considero estar cumprindo com os meus deveres que prontamente...

-Cale essa tua boca suja e bajuladora... Saia daqui e não deixe que ninguém entre aqui nas outras horas! - berrou um senhor barrigudo com óculos circulares cujas cordinhas ele mordia com força em seus caninos. Ele era carrancudo, sua pele tinha uma aparência pelancuda e azeda e o seu terno não lhe servia bem ao ponto dele ser uma bomba prestes a ficar nu ali mesmo.

Engoli em seco quando fiquei a sós com o diretor do hospital. Quando sentei na cadeira medíocre de plastico vagabundo que contrastava com a acolchoada vermelha que lhe ajustava bem as nádegas, li seu nome numa placa na mesa repleta de papelotes, envelopes e carimbos.

Doutor Geretriz.

-Você já sabe o que faz aqui obviamente... Não faz?

-Não senhor... - engulo em seco.

-Ricardo, você me parece nervoso demais... Deseja algum café ou outro tipo de bebida para amaciar a garganta..? Você tem muito a me explicar... E eu tenho muito a lhe dizer... Coisas que você precisa saber...

-Não desejo nada senhor... Tem como o senhor ir direto ao assunto?

-Me chame de Geretriz, por favor... Senhor é coisa de múmia de tumba egípcia...

-Certo! - digo, sem nem emitir algum contentamento com sua piada. Não era tão fácil assim aliviar aquela tensão.

-Bem, como você vê sou um amante de gatos e mar. Mar e gatos, nessa ordem. Na verdade, mar e Salomão. Esse ai em cima de mim é o meu gato Salomão... Ele me acompanha sempre que, nas minhas férias, eu pego meu modesto barco e saio por ai velejando no litoral. Veja bem, não sou nenhum aventureiro desses que ficam ai feito malucos dando voltas nesse mundo de meu Deus. Isso é coisa de gente lé lé da cuca... Você me entendeu, né, minha criança? - ele fala feito criança tagarela quando conhece gente nova.

-Sim, Geretriz...

-E você?

-O que tenho eu?

-Me diga mais sobre você...

-Não tenho nada de importante pra dizer...

-Não minta pra mim, Ricardo! Tenho acesso a todas as câmeras desse hospital... E, tenha certeza, eu me dou ao trabalho de verificar todas elas... Ainda mais nas atuais circunstancias.

-Você vai contar pra minha mãe?

-A respeito do que, exatamente?

-Eu sei que você sabe da minha fuga...

-Por que você não começa me explicando a razão de você ter fugido com a ajuda dos seus amigos?

-Só estávamos indo a um lugar curtir um pouco... Nada que você esteja interessado em saber...

-Eu estou...

-OK. Merda, pare de me entrevistar... Quer abrir a boca, faça logo... Conte tudo pra minha mãe... Posso voltar pra minha cama?

-Eu estou do seu lado Ricardo... Talvez eu seja o seu único...

-Do que você esta falando?

-Me conte mais sobre a Julia...

-Como você sabe da Julia...?

-Eu sei sobre tudo a seu respeito...

-Você andou me vigiando?

-Digamos que eu andei observando...

-Por que? Eu quero entender o que está acontecendo por aqui...

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⏰ Última atualização: Oct 22, 2015 ⏰

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