Capítulo 30

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O corpo de Acácia havia sido colocado em uma maca de madeira e levada o mais rápido possível para a ala dos curandeiros, onde fora deitada em uma cama de lençóis de linho. Tudo ocorrera como se o mundo estivesse coberto por uma grossa camada de um líquido espesso e pegajoso, tornando os sons abafados e o tempo desconexo. Um estado de estupor coletivo havia recaído sobre Elfee.

Inicialmente, os primeiros exames indicaram que ela havia sido assassinada por um único e limpo golpe de faca em seu abdômen, mas Dennis, o Chefe Curandeiro, acreditava que existia algo que não estava aparente, algo que não fazia sentido. Então novos exames foram feitos.

Acácia morrera por conta de uma facada na altura de seu baço, limpa e sem hematomas ao redor. Ela poderia ter sobrevivido, havia tempo de a salvar, mas quem quer que tenha lhe ceifado a vida havia garantido que a celi não retornaria a tempo para Elfee para ser salva, ou que houvesse alguma chance de ser salva. Acácia sofrera de uma morte dolorosa graças ao veneno enxei que impregnava a lâmina. O ferimento não sangrou, mas o veneno, uma vez dentro de seu organismo, funcionou como um violento ácido, derretendo seu corpo de dentro para fora e fervendo o sangue em suas veias. Seu assassino, cruel e covarde, assistiu enquanto a mulher sofria, implorando por piedade e por uma morte rápida, depois, como um aviso, deixou o corpo maculado em frente ao portal para que fosse encontrado.

A psicologia acredita que existem cinco estágios de luto. O primeiro deles, o mais cru e intrínseco, é a negação e o isolamento. O segundo, o mais humano, é a raiva. O terceiro, o desesperador irracional, a barganha. O quarto, o ceifador irreverente, a depressão. E por último o quinto, a impotência libertadora, a aceitação.

Rose sentia-se como se todos os fios que a prendiam ao mundo houvessem sido cortados, arrancados de seu ser enquanto ela era jogada no limbo de pura dor. Seu coração contraía em agonia, contorcendo-se como se a cada respirar uma parte de si fosse rasgada, como se suas fibras fossem trançadas e transformadas em uma corda que se prendera ao redor de seu pescoço, arrancando-lhe o ar e impedindo que respirasse. As lágrimas estavam presas em sua garganta, congeladas em uma pedra pontiaguda que feria o ar que adentrava em seus pulmões. Seus sentidos, todos os cinco, mantinham-se dispersos. Ela não ouvia o que lhe diziam ou via quando se colocavam em sua frente, os olhos dourados apenas se mantinham sobre o corpo agora enrolado em linho, esperando que os preparativos de seu enterro se encerrassem.

— Ela queria um enterro celi. — Dissera Araceli, tentando esconder os olhos avermelhados pela fachada de princesa inabalável, mas não havia como enganar. Todos estavam sofrendo.

Uma nuvem negra recaíra sobre Elfee, como se tudo houvesse se tornado o mais puro obscurecer. Havia dor nos rostos dos élficos e nem uma única fada ousava levantar voo, como se o peso de seu luto as prendesse ao chão. Pela primeira vez Rose via Elfee como algo além de uma simples cidade mágica, ela via a força e o amor que existia ali, via o companheirismo e o sofrimento pela perda de um de seus membros mais queridos. Acácia crescera entre aquelas paredes, correra ainda na infância pelas ruelas e brincara com os animais que caminhavam livremente por todo o local. Acácia riu, chorou, lutou e amou entre àquelas árvores, conquistou e perdeu sua família naquelas casas. Nasceu e morreu amada e amando aqueles vizinhos sobrenaturais.

Uma nuvem negra recaíra sobre Elfee e todos se afogavam no torrencial que ela derramava.

Eles estavam reunidos ao redor de uma clareira em um dos locais mais sossegados da floresta que cercava Elfee. Diferente da festa das ninfas, não havia música ou vinho, não havia risadas ou cortinas de flores. Nada. Tudo se resumia ao mais agonizante silêncio.

Acácia deixara instruções detalhadas de como gostaria de ser. Um sepultamento celi. Eles deveriam limpar seu corpo com água salgada para que as impurezas da vida fossem apagadas. Enrolariam seu corpo no linho mais branco, o broche de pedra lumina prendendo suas bordas, para que a pureza lhe acompanhasse durante sua travessia para a vida pós morte. Seu caixão deveria ser feito de madeira escura e pedras preciosas deveriam o adornar, mas não deveria ter flores. Flores simbolizam vida. Seu túmulo deveria ser cavado na terra, mas as paredes deveriam ser de pedra, assim como a tampa do túmulo, o qual seria selado exatamente quando o último raio de sol tocasse o céu, na perfeita coexistência do Sol e da Lua. Sem lápide, sem inscrições.

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