Capítulo 27

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Ela já havia visto mais horrores em sua vida do que qualquer outra pessoa deveria ver; e se lembrava de cada um com detalhes; recordava-se de cada pedacinho de dor que fora obrigada a sentir mesmo na época mais remota de sua vida. O luto, a angústia, a ansiedade, a impotência. Cada um desses sentimentos marcava a alma idosa de formas inimagináveis, como dolorosas cicatrizes que o tempo não era capaz de levar. Alguns chamavam de vivência, outros de sabedoria, para Acácia Gianiz era apenas o efeito de vida.

— Acácia, não existe nada aqui. Vamos para casa. — Mark disse a ela, ao seu lado.

A celi torceu o nariz desgostosa, lançando a ele um rápido olhar antes de balançar a cabeça em negação e continuar procurando por qualquer pista que pudesse os retirar do beco sem saída em que estavam afundados.

— Meus informantes disseram que Gorna estava escondida aqui. Ela não pode ter desaparecido sem deixar rastros. Não ela. Gorna é superestimada.

O escárnio em sua voz foi evidente demais para que passasse despercebido pelo fada. Mark, esticando as asas coriáceas atrás de si, permitiu que um pensamento incoerente, influenciado principalmente pelos chefes de Elfee, lhe atravessasse. Talvez alguns deles tivessem razão; talvez Acácia houvesse chegado ao esgotamento mortal, à senilidade.

— Não há nada aqui, Acácia. — Ele tentou não soar cético ou condescendente para não inflamar o lado teimoso da senhora. Compreendia o porquê dela o ter chamado para que a acompanhasse na missão no lugar de sua equipe ou dos celis; sabia que a senhora contava com seu silêncio, com sua discrição assim como contava com suas habilidades em batalha. Mark era o segundo de Fallon por um motivo. Ele era surpreendentemente ótimo no que fazia.

Acácia lançou a ele um olhar enigmático, suspirando ao balançar a cabeça e deixar seus ombros caírem, assentindo apenas uma vez para ele antes de soltar a pesada mochila e se sentar sobre a grama.

— Vamos acampar. Você está cansado.

Mark não ousou revelar quem realmente estava cansado, preferindo seguir o que a senhora disse sem contestar e se virou, procurando galhos e folhas secas para montar uma fogueira.

Ele não sabia onde estavam, e duvidava que Acácia soubesse, mas todas as pistas que eles tinham e todas as informações que receberam os levaram em direção àquele lugar, um trecho de terra remoto bem longe da costa brasileira. Uma ilha vazia no meio do Atlântico.

O silêncio reinou sobre o local por vários minutos, tempo o suficiente para que a fogueira fosse acesa e o peixe fosse assado. O tempo noturno estava aberto de forma que era possível que vissem o céu estralado sobre eles; o Cruzeiro do Sul brilhava com todo o esplendor e ajudava a lua crescente a iluminar a terra.

— Três dias. — Acácia sussurrou, olhando fixamente para a fogueira como se pudesse ver através dela, como se as chamas possuíssem todas as respostas que buscava.

Eles estavam a três dias naquele lugar, passando de um lado ao outro e destrinchando cada caverna e fenda que pudessem encontrar. Restavam poucos locais, poucos esconderijos e Acácia sabia disso. Sentia o tempo lhe puxando para baixo, gritando que não havia muito mais tempo para agir. Ela precisava impedir que eles chegassem mais perto ou tudo pelo qual havia lutado e protegido em toda sua vida iria ruir. Suas conquistas de nada significariam se eles conseguissem antes dela.

— Não estamos apenas atrás de Gorna, não é? — Mark perguntou a ela, massageando o pescoço dolorido após horas de tensão e passos calculados.

Acácia balançou a cabeça, jogando os restos de seu jantar na fogueira e se levantando em seguida. O corpo fatigado e dolorido reclamou por interromper o descanso, mas ela sabia que as perguntas iriam continuar e quanto mais conseguisse manter Mark no escuro, melhor. Não confiava nos arredores; vivera mais do que o suficiente para saber que árvores ouvem e que o vento não guarda segredos.

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