Capítulo 31

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Havia algo calmante em caminhar pelas trilhas gramadas do imenso cemitério. O ar frio acariciava sua pele rosada em um suave acalento do calor escaldante do sol brasileiro, e, mesmo que fosse difícil pensar sob o céu de meio de tarde, a mente de Rose estava tão longe quanto possível, viajando para locais que jamais pensara em ir.

Ela não sentia raiva ou dor, o luto se mudara para um canto obscuro e silencioso de sua mente; as preocupações, que geralmente lhe atormentavam sempre que possível, gritavam sem som em algum lugar longínquo, irrelevantes demais para que recebessem qualquer gota de atenção. Não. Dentro de Rose habitava apenas o mais profundo eco vazio, inundando seu coração e sua mente em absolutamente nada. Como se tudo dentro de si houvesse sido anestesiado.

Rose não percebera o caminho que tomara até estar em frente ao túmulo de seu pai, ajoelhada e sujando a calça preta com terra e grama. A pedra da lápide parecia a encarar como se risse de sua face, gritando que, mais uma vez, ela precisava passar por esta mesma dor, este mesmo sentimento inócuo e incapacitante; não havia nada que ela pudesse fazer, nada que pudesse mudar. A morte sempre seria a morte, o fim e o mais profundo arrependimento.

Daniel havia a seguido desde que saíra da casa da mãe, logo após os gritos furiosos chacoalharem a casa. Ele não ousara entrar, sabia que era algo que Rose precisava lidar sozinha, uma batalha que apenas seu coração poderia ser seu aliado. Claro que ela não estava completamente só, nem perto disso. Daniel havia mantido o arco tensionado e uma flecha preparada, mantendo os olhos fixos na janela da casa, a qual lhe dava visão desimpedida de Rose e de Evangeline. Não hesitaria em dar um susto na mulher arrogante caso ela fizesse qualquer movimento contra a filha, ainda que não a matasse; não que não fosse capaz de o fazer, apenas queria preservar Rose de mais dor.

Ele observou a menina ajoelhada em frente ao túmulo, inofensiva e vulnerável como ele jamais a viu ser. Havia algo em Rose que tornava a vida sem sua presença obsoleta; ela jamais fora inofensiva com sua língua perigosa e sua espiritualidade ofuscante, mas ali... Ali Rose não oferecia perigo a ninguém além de a si mesma. Daniel perguntava-se se sua menina ao menos percebera que, mais uma vez, correra impossivelmente rápida até ali, como se seus músculos houvessem sido recobertos pela velocidade de um guepardo e a resistência de um leão das montanhas. Rose se movia como um felino predador, um lince em plena caça e uma leoa protegendo seu território; era pura habilidade e agilidade, graciosidade e letalidade... E ela nem ao menos notara. Talvez este fosse o fato que a tornava mais perigosa.

— Eu sei que está aí. — Ela sussurrou para o vento, mas ele sabia que era direcionado a si. — Me deixe sozinha, por favor.

A fragilidade em sua voz quebrou algo dentro de Daniel, fazendo o espírito protetor e vingativo se agitar e suas sombras se projetarem contra sua vontade, ansiando por recobrir a menina em um manto de calor e refúgio.

Completamente contra seu pedido, Daniel permitiu que a dobra de luz e sombras que mantinha sobre si se dissolvesse, revelando sua imagem enquanto ele caminhava na direção dela. Abaixou-se rapidamente para roubar um crisântemo de um dos túmulos antes de se sentar ao seu lado, fitando a lápide de Ellien. Por minutos sem fim eles se mantiveram em silêncio, parados naquela posição até que Rose enfim levantasse seus olhos para ele, deixando-o desnorteado com a visão.

O rosto delicado e etéreo estava marcado pela trilha que as lágrimas silenciosas haviam aberto, sem fim e sem pausa. Elas ainda escorriam conforme ela o observava, o nariz e os olhos estavam completamente vermelhos, contrastando com a palidez de sua boca inchada. Porém o que fez aflorar a ira dentro de Daniel não havia sido a tentativa inútil de Rose de esconder o soluço que emitiu sem querer, ou mesmo o tremular constante de seu lábio inferior, mas sim o que seus olhos haviam sido se tornado. Eram como um lago de ouro límpido, mas estavam frios, opacos e completamente vazios. Ele odiou aquela visão tão imediatamente que teria sido capaz de matar Evangeline com suas próprias mãos se ela aparecesse em sua frente.

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