Capítulo 4

91 11 7
                                    

Rose tentou não soltar um grunhido raivoso e assustado ao se aproximar das árvores cruzadas, as quais Daniel desparecera apenas um segundo antes. Pelos troncos se podia ver um pedaço de uma das trilhas do parque, nada diferente do que devia estar ali e nenhum sinal do homem de olhos cinzentos. Sua pele formigava conforme a distância diminuía e uma sensação em seu âmago, a mesma de dias atrás no Mercado de Peixes, a puxava cada vez mais, implorando que descobrisse que tipo de magia era aquela. Sua avó, de modo bastante ousado, soltou uma risada e deu um empurrão em suas costas com mais força do que o corpo idoso deveria possuir, o que a fez dar o passo restante para dentro do desconhecido.

O ar ao redor de Rosalind tremeluziu quando atravessou o arco, deixando uma vaga sensação de estar em um redemoinho de ar e luz. Ao seu redor apareceram paredes feitas de casca de árvore, como eles houvessem entrado em um tronco na horizontal, um túnel completamente natural construído pela própria natureza majestosa.

Um frio na barriga a fez respirar fundo, recusando-se a demonstrar receio ou náuseas na frente de Daniel, — ele a observava com uma pontada de divertimento e arrogância — encostado em uma das paredes de aparência frágil. A posição permitiu que a menina desse uma olhada completa em seu corpo, registrando as roupas que passariam por pretas se ela não houvesse passado longos minutos com a cara grudada nas costas definidas do homem. O tecido era de um verde intenso e escuro, mais grosso e mais fresco do que parecia; tinha a aparência de algodão, mas Rose conservava em si a certeza de que jamais havia encontrado aquele tecido antes. Ele balançou a cabeça, piscando um dos olhos irritantes para ela como se para dizer estar consciente de ser vítima de sua análise. Contudo, não fez comentários, apenas indicou que Rose devia seguir em frente e andou em direção a outra ponta do túnel no instante em que Acácia apareceu ao lado da neta, sorridente até demais.

A vida é recheada de estranhos momentos. Instantes em que o tecido fino da normalidade parece estar se desfiando uma linha de seda de cada vez. São esses pequenos espaços de tempo que se encontra a essência da vida; são nesses momentos que se aprende a viver. Rose estava em um desses momentos, concentrada demais no som oco de seus passos no chão de madeira encurvado, sentindo-se no lugar de Alice quando ela caiu na toca do coelho. Perguntava-se se assim seria entrar no País das Maravilhas, se ao chegar ao outro lado seria recebida por flores falantes e um gato sorridente, ou ao menos seria convidada para tomar chá na companhia de um homem enlouquecido. Esperava que não, odiava chá.

Seus pensamentos, tão cansados quanto perdidos, a levaram para as histórias que seu pai e sua avó lhe contavam. Histórias cheias de magia e de luta, onde o bem sempre vencia o mal. Indagou-se o quanto daquelas histórias poderia ser real, mas Rose sabia, dentro de si tinha essa certeza, de que o mundo - o seu mundo escondido - não era apenas histórias de ninar e pó de fada, nem mesmo eram encantadas com rios de chocolate e animais bonzinhos e falantes. Tinha conhecimento de que algumas histórias dão pesadelos e que o pó de fada não faz voar, assim como imaginava que estranhos monstros poderiam viver em um rio de chocolate e o que animais falantes poderiam querer com ela. Precisava se lembrar de tudo isso, afinal, este sempre foi e sempre será um mundo cruel e ganancioso.

Ela foi puxada novamente para a realidade, ou para seu recém descoberto mundo de loucuras, quando sentiu novamente a sensação de estar em meio a uma ventania e o ar tremeluziu ao seu redor. Claridade cegou seus olhos por alguns instantes, fazendo-a os fechar com força ao sentir o incômodo; enquanto isso, seus outros sentidos foram cercados pelas mais variantes formas. Os ouvidos, acostumados com o eco dos próprios passos - nem Daniel e nem a avó faziam barulho ao andar - foram surpreendidos pelo barulho de vozes e risos, sons de animais, barulho de metais batendo e de algum som oco no ar, irreconhecível. O olfato, antes concentrado no aroma pungente de madeira molhada e pelo perfume forte da capa de Daniel, foram agraciados pelo ar natural e fresco de se estar em meio a natureza, com o leve toque de terra molhada e luz do sol. Porém, foi apenas quando abriu seus olhos que sentiu o verdadeiro impacto do lugar onde estava. Rose não questionou o túnel ou o perigo que a transformou em um saco de batatas para o homem de olhos cinzentos, mas sua boca se abriu ao registrar o real impacto daquele lugar. Poderia facilmente ter adormecido e acordado na Terra do Nunca. Talvez não fosse a Alice afinal, talvez fosse a Wendy descobrindo a magia que existe embaixo de seu nariz.

Preço de SangueOnde histórias criam vida. Descubra agora