5 - Crias do Deserto

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    Um verdadeiro pandemônio se espalhou pelo coração de Alec, encolhido, no fundo, onde o peso dos outros o estava esmagando. Preso no lugar em que as chances de escapar eram ainda menores e as linhas finais de um destino cruel lhe aguardavam. Para piorar a situação, a luz do dia já havia se findado a muito tempo e as trevas corriam soltas pelo deserto. Fomentando os piores pesadelos de Alec.

   Agora era uma boa hora para se estar armado...

   A velocidade dos caminhões começou a aumentar, soldados já se preparavam para o combate e os outros passageiros já aguardavam o pior. Alec não escutava absolutamente nada, nem o vento, nem o uivo de animais carniceiros ou sequer um vestígio dos famigerados Snykers.

   Mas iria ouvi-los muito em breve.

   Um baque terrível se meteu no caminho, lançando um dos veículos pelos ares. Ninguém estava preparado para aquilo, de modo que muitos corpos foram atirados para fora. Outros quebraram o pescoço durante os rodopios no ar, esmagados pelo peso das pessoas, ou atirados, com violência, contra a areia. Para Alec, primeiro veio o som de vidro se partindo, depois tudo ficou escuro. Não ouviu gritos, explosões ou qualquer outro som. Por um instante, ele imaginou que o tempo havia congelado e toda aquela besteira enfim acabaria.

   Mas não é bem assim que as coisas funcionam...

   Ele acordou, segundos mais tarde, iluminado pelas chamas que vinham dos caminhões, empilhados, prestes a explodir. A noite escura lançava suas garras contra o seu rosto, empapado de sangue e fragmentos de sílica. Alec tentava se levantar, mas temia ter quebrado as pernas ou perfurado algum órgão interno, que agora se derramava em uma hemorragia. O que teria causado aquele acidente? Um erro do piloto? Um buraco no caminho? Ou tudo aquilo era culpa dos Snykers?

   Todas as opções são válidas.

   –Você está bem? – Alguém dizia, mas Alec mal podia distinguir as palavras no meio da confusão mental em que estava se afogando. – Você está bem? Temos que sair daqui agora!

   Alec fechou os olhos, e quando reabriu, o mundo havia voltado a sua real forma.

   –Levanta agora! Se ficar aqui você vai morrer! – Depois de alguns milésimos de segundo, um atordoado Alec finalmente reconheceu o rosto da soldado Erin, berrando para ele.

   Sem hesitar, ele agarrou a mão estendida dela e se levantou, sentindo todos os ossos se contorcer em agonia. Seus olhos miravam as chamas avermelhadas do incêndio, aliviando a escuridão e impedindo que os Snykers se alimentassem dos corpos jogados próximos ao fogaréu.

   –Por aqui, a luz não vai durar muito tempo... – Disse Erin, avaliando os ferimentos de Alec. – Temos que agrupar os vivos.

   Ela se abaixou, e apanhou o rifle de caça mais sujo que Alec já tinha visto na vida. 

   –Tome, ainda tem algumas balas, mas não vai ser de nada contra eles. Então só atire se algum chegar bem perto, ouviu?

   Alec assentiu, tomando a arma nos braços.

   –Agora me ajude a juntar os outros.

  Para uma paisagem estéril e completamente muda, aquele lugar fervia de sons e cores fortes. Alec se abaixava sobre um corpo, pressionava os dedos contra a jugular e tentava buscar sinais de vida. Às vezes não sentia nada, em outras, os dedos se afundavam através de uma massa de nervos, músculos e vértebras dilaceradas. Mas, depois da quinta tentativa, a artéria pulsou como a vida, e Alec quase chorou de felicidade. Uma garota abriu os olhos, vividos e nublados pelo medo, ferida e em estado de choque, mas viva, o que, por hora, já é mais do que suficiente.

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