1 - O Último Dia

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República-288, Distrito federativo 021, seis de setembro de 2049.

05:35 A.M.

Alguém gritava...

Estava tão escuro que não se podia ver um palmo afrente dos olhos. Gemidos, suspiros e sons se misturavam, como insetos, caminhando pelo chão puído, aos montes e em sincronia. A adrenalina do medo se infiltra no cérebro, como uma vagarosa serpente, acordando todos os sentidos, pois, algo de muito perigoso se arrastava para perto. Não há como vê-lo ou saber de onde ele vinha. Mas, ouvir o som das suas narinas se inflando já era suficiente para causar um tremendo caos.

Não há nada que possa ser feito...

As paredes rangem, gritos longínquos cortam o ar... Talvez um tiro ou dois foram ouvidos. Não se podia fazer nada por eles e nem por ninguém. Nada era mais angustiante do que estar preso não se sabe onde, com medo de sabe-se lá de quem, enquanto a morte já esperava atrás da porta. Um tanto inquieta, pois tinha muitas vidas para ceifar naquela noite.

Garras e dentes estalam, ansiosas.

Já se podia sentir o roçar da pele áspera contra a vítima, o hálito fétido escapando entre os dentes, as garras inspecionando os órgãos internos mais saborosos. Todos pulsantes e cheios de sangue, tal qual uma besta insana já estava habituada a caçar. O caminho para o abatedouro se tornava cada vez mais nítido, e o pior do que não poder se mover, era aceitar aquele triste fim e até mesmo ansiar por ele. É preciso coragem para defender a própria vida, e mais coragem ainda para abrir mão dela...

Mesmo em condições tão adversas.

O inimigo desconhecido cravou seus dentes na carne, arrancando grunhidos de dor e satisfação. Agora, aquele lugar escuro ganhou mais um odor, além da poeira e do mofo que costumam se aglomerar em locais abandonados. Mas também o cheiro peculiar de sangue fresco, se infiltrando nas saliências do piso de madeira, ganhando a terra e se perdendo para sempre.

A morte é inevitável...

Se ao menos ele tivesse uma faca, poderia golpear seu agressor e tentar escapar. Mas não havia nada, apenas a dor dos dentes se cravando no abdômen, arrancando a carne e a vida, segundo após segundo, gota após gota, do sangue que se perdia. Não sobrou nada, ninguém, ou qualquer coisa em que pudesse se apegar, que pudesse desejar ou amar. Nem o ódio por tudo o que aconteceu nos últimos meses restara, a sede por vingança, os amigos mortos, envidraçados em suas mórbidas poses mortas...

São apenas um monte de fantasmas agora... Esperando o último dos seus se juntar a eles.

O momento sublime estava chegando... Os olhos estão pesando, a garganta se fechando e os músculos se enrijecendo. Já chega de tanta luta, de tantas mortes e de tanto sofrimento. Evitar aquele momento só o levou direto para ele. Quem sabe seja melhor assim... Não fazer parte disso tudo... Não carregar o peso dos que matou e os que não pôde salvar.

A alma se prende ao corpo apenas por um fio...

Não havia mais nada que valha a pena...

Só restara o escuro...

***

Alec acorda em um sobressalto violento.

-Maldito pesadelo! - Balbuciou.

São sempre os mesmos...

Ele se levantou, estalou dezenas de ossos e saiu do seu único, e amado, espaço privado que já tivera desde os dez anos de idade. Não passava de uma barraca branca feita de plástico reforçado, onde só cabia um saco de dormir e duas ou três mudas de roupas.

ARBÍTRIOOnde histórias criam vida. Descubra agora