18 - Catedral

104 20 122
                                    

   O portão norte se desenhava para um bando de pessoas à beira de um ataque de nervos, mal se aguentando sobre as suas dúvidas. Um novo dia se erguia nos céus de Hack, e a coalizão firmada nos salões de Many Desmond já começava a se mobilizar para os confrontos futuros.

   –Quer andar logo com isso e abrir o portão de uma vez? – Eva gritou, agredindo a carroceria com barulhentos tapas.

   Ela, Alec, Ryan e Kat se apertavam dentro da cabine de um caminhão militar, arranjado durante um roubo, no mês passado. De um lado, as facções e grupos se dividiriam em duas grandes equipes, cada uma delas se ocupando com uma missão diferente. Athena e seus andarilhos, iriam para o deserto, junto com os Libélulas e os Anjos Noturnos. Éric, os Spiders e parte de Dead Man iriam saquear bases no interior da cidade, mapeadas e apontadas por Eva.

   A outra parte ficaria na base, protegendo o Dente do Javali.

   Emanuelle, habituada a vida no mar, torcia o nariz para ter que enfiar seu povo em veículos de quatro rodas e se lançar num deserto estático, frio e sem vida. O perigo sempre existia nas águas, mas, quando a situação apertava, bastava apenas um comando seu para que os navios escapassem ondas adentro. No entanto, até mesmo ela tinha de seguir ordens agora.

   Alec, até então apertado entre Ryan e Kat, deu um jeito de escapar, usando de uma desculpa fajuta e se dirigiu até onde os Libélulas estavam reunindo armas ou se demorando em dar nós complicados.

   Um velho hábito de marinheiros.

   –Alguém aqui viu a Emanuelle? – Perguntou, para uma multidão de garotas fardadas.

   A maioria delas continuou calada.

   –Ela está no último caminhão, checando as amarras. – Respondeu a primeira imediata do grupo.

   Alec agradeceu, com um aceno. Depois, se preocupou em seguir a direção apontada pela garota e chegar até Emanuelle Bumont.

   O colar congelava dentro da camiseta.

   –Oi Alec... – Disse a líder dos Libélulas, antes mesmo que Alec pudesse tocar o seu ombro.

   Como as pessoas conseguem fazer isso?

   –Você é bem barulhento para um soldado. – Disse, se virando para um perplexo Alec.

   –Me desculpe... Eu só... Tem um minuto? – Por mais que tentasse, ele só conseguia se atropelar nas próprias palavras.

   Emanuelle sorriu em resposta, entregando uma caixa cheia de explosivos para que ele carregasse.

   –Então Alec... – Recomeçou. – O que tem para me dizer?

   Ele hesitou por um instante.

   –Eu era um Flag... – Disse, o mais corajosamente que pôde. – Antes... Antes daqui.

   Emanuelle pareceu surpresa.

   –Olha, isso é muito interessante... Tenho um irmão que era um Flag. Talvez você o tenha conhecido. O nome dele é Claude... Acho que ele foi capturado junto com os outros.

   Droga...

   –É sobre isso que eu vim falar. – Alec largou a caixa que estava carregando.

   Como se já soubesse o que aquele garoto tinha a dizer, Emanuelle Bumont perdeu o brilho do olhar, assim como o sorriso, que murchou na face, pouco a pouco, até só restar uma linha inexpressiva.

   –Seu... Seu... Seu irmão morreu... Naquela noite. – Alec deixou escapar, sentindo-se o pior dos seres, por ter que fazer isso.

   A face de Emanuelle congelou, depois  tornou-se espanto e perplexidade. Naquele momento, Alec pôde ver as marcas que a vida havia feito nela, escondidas debaixo dos olhos brilhantes e do sorriso de dentes separados. O mesmo olhar lívido do irmão surgiu nas feições dela, assim como uma única rosa solitária, desabrochando no frio do inverno.

ARBÍTRIOOnde histórias criam vida. Descubra agora