3 - Fuga

234 55 501
                                    

    O sol subia pelos céus enevoados da República.

   Alec estava sentado, num quarto de quatro metros quadrados, cuja única coisa importante, ou que realmente ocupasse um espaço significativo, era uma cama comum. Local onde ele se encontrava acomodado agora. O ambiente era iluminado por uma janela pequena, por onde uma pequena parte do céu se fazia visível.

   Para Alec, aquele lugar era extremamente familiar...

   Pois, lembrava muito o lar provisório onde ele viveu, dos primeiros dias de vida até os dez anos de idade. Num quarto branco, imaculado e perfeito, exatamente como aquele. Até completar três anos, Alec vivia com as outras crianças nos chamados Jardins de Infância, numa ala diferente daquela. Não era um ambiente muito maternal, mas nunca lhe faltou nada, em relação às suas necessidades básicas. Depois, Alec foi transferido para um quarto, onde ficava sozinho, nas horas ociosas do dia. No mundo de hoje, o individualismo é bem pior do que era há vinte anos atrás, de modo que, ele compareceu aos primeiros anos escolares sozinho e raramente interagia com outras pessoas.

   A pequena faca roubada do Vespa pesava no bolso.

   Não havia muito tempo para a ação. Até onde sabia, Alec seria transferido para outro lugar, às seis da manhã do dia seguinte, para a sede de uma subestação da Omnigon, chamada Arkyen. Os prédios da República tinham sido deixados para trás, através das janelas escuras de um conversível elétrico, onde Alec, um Vespa e a Dr Sarkovith estiveram metidos por cerca de meia hora. Depois, o garoto foi trancado naquele lugar, onde permanecia imóvel, porque tinha quase certeza de que estava sendo monitorado.

   E era por isso que teria de agir bem rápido.

   Pouco a pouco, noite caiu, e a madrugada veio junto com ela. Alec fingia que estava dormindo, esperando a última ronda dos guardas passar pelo seu quarto, dando o sinal necessário. Uma luz mortiça vinha do lado de fora, e isso mantinha Alec mais calmo e menos propenso a ter um ataque de delírios, como tinha tido, durante o teste. Sorrateiramente, ele afastou os finos lençóis e escorregou até o chão, onde encenou estar vestido seus sapatos, quando na verdade, estava tirando a faca do bolso e escondendo-a dentro da manga.

   Alec era autorizado a sair só se precisasse ir ao banheiro, coisa que não havia feito até agora. Caso tivesse mesmo que ir, era só apertar uma campainha, presa ao lado da maçaneta e um guarda apareceria em alguns minutos. Alec faria de tudo para evitar, mas mataria quem entrasse pela porta sem hesitar.

   Confiante, mas tenso, ele apertou a campainha e esperou pela chegada do seu acompanhante, tomando o máximo de cuidado para não ser descoberto logo de cara.

   Ouviu o barulho de passos, seguido pelo tilintar de chaves sendo manuseadas...

   A porta se abriu...

   Alec voou por sobre o homem de meia idade que transpôs o seu caminho. O bote havia sido certeiro, como o de uma serpente que mata por constrição. Passou o braço direito sobre o pescoço, agarrou o braço esquerdo da vítima e o forçou para trás. Com certeza, o pobre coitado havia acabado de ter o ombro deslocado.

   –Se você ficar quietinho, eu não vou te matar. – Disse, o mais friamente possível.

   Alec ouviu um engasgo, o homem de 90 quilos se debatendo, as mãos dele tentando se livrar do aperto, o barulho dos nervos estalando e por fim, ele perdeu a consciência. Não estava morto, mas se ele resistisse por alguns segundos além daquilo, provavelmente nunca mais voltaria a respirar. Não era nada agradável agir daquela forma, mas Alec sabia que era necessário. Outros recrutas teriam matado o guarda, mas uma pequena parte do seu cérebro insistia em ter piedade ou até mesmo cogitar a ideia de que o sujeito tivesse uma família esperando por ele.

ARBÍTRIOOnde histórias criam vida. Descubra agora