25 - Epílogo: O Primeiro Dia

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    A morte é líquida...

   Leitosa como um rio, onde os sentidos se entregam aos recantos calmos da sonolência. É o meio termo entre existir e desaparecer para sempre, numa névoa de paz e serenidade eterna. É o adormecer irresistível e sem responsabilidade, que envolve a consciência num sono sem sonhos, pesadelos, preocupações, problemas, culpas ou cansaço.

   Até que o mundo real quebre a casca, e preencha o silêncio com uma inundação de estímulos...

   Alec começou a despertar, a medida que o lento processo avançava. O som de aparelhos médicos invadiu os seus ouvidos, despertando os outros sentidos, até então surpresos em voltar a funcionar, depois que o fogo consumiu a carne, os nervos,  os tecidos e os ossos responsáveis por formar o corpo daquele jovem.

   Agora com dezoito anos de idade...

   Vozes povoavam sua imaginação, apenas como vultos embaçados, perambulando sem destino fixo ou mesmo um sentido que os concedesse uma forma exata. No entanto, mesmo relutante, Alec começava a acordar, sentindo os eletrodos sobre o peito, braços e pernas, acompanhando o inflar de seus fortes pulmões.

   Pera aí... Eu não morri?

   E então, no auge da confusão de sentidos e vozes, o garoto abriu seus olhos...

    Mas e a explosão? O fogo e o Leonard?

   Mesmo confuso, o garoto mirou as formas de um quarto de hospital se desenhar diante dele. Enfermeiras corriam por todo o lado, carregando equipamentos e objetos que ele não conhecia. Nenhuma delas lhe deu atenção, enquanto conversavam entre si e consultavam prontuários digitais. Os uniformes brancos se misturavam a coloração pastel das paredes, transmitindo uma sensação angustiante e, ao mesmo tempo, tranquila. 

   Mas que droga de lugar é esse?

   E então, quando Alec estava prestes a sair correndo daquele quarto ou, quem sabe, nocautear meia dúzia de médicos, um rosto conhecido entrou pela porta. Vestia um jaleco impecavelmente branco, sapatos de salto, brincos de pérolas e seus costumeiros óculos em forma de meia lua.

   Mary Sarkovith?!

   –Saiam... – Disse, o mais friamente que pôde. – Preciso conversar com o paciente.

   Em menos de um minuto, todas as enfermeiras deixaram o quarto, ordenadas e em fila indiana.

   O que eu estou fazendo aqui?

   –Olá A-325! É um prazer revê-lo novamente! – Como se houvesse reencarnado sua personalidade afável, Mary Sarkovith voltou a falar como a "bondosa senhora".

   Alec arqueou uma das sobrancelhas.

   –Nós tivemos muitos progressos com o senhor nesses últimos meses. – Ela continuou, se sentando na beirada da cama. – Acompanhei boa parte da sua trajetória, e tenho que confessar... Fiquei muito admirada!

   –Mas que droga está acontecendo? – Alec perguntou, aceso em fúria. – Eu morri naquela explosão, não é possível que tenham me trazido de volta a vida... Ou é?

   Silêncio...

   Até Mary cair na risada e irritar Alec à níveis muito perigosos.

   –Você é mesmo muito interessante senhor A-325... – Ela respondeu, após se recuperar da crise de riso. – Achou mesmo que tudo aquilo era real?

   O quê?!

   –Do que você está falando? – Alec perguntou, envolto em assombro. – Eu estava lá... Eu senti o fogo me fritar inteiro e matar aquele maldito Vespa!

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