24 - A Sereia Escarlate

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   –Ótimo trabalho senhores! – Matthew exclamou, cheio de contentamento. – Anetrix são mesmo muito úteis!

   Ninguém ousou responder.

   –Acho que acabamos por aqui... – Continuou, dando uma boa olhada no horizonte. – Ainda tem muitos pirralhos escondidos por aí!

   –Nossa missão não é esta Matthew Grace. – Um membro da nova geração de soldados se pronunciou. – O comandante McCollen não tolerará nenhuma falha.

   –Disso eu já sei... – Matthew respondeu, com desdém. – Vocês conseguem ser piores do que um Vespa!

   Silêncio...

   –Para onde fomos designados? – Voltou a perguntar, depois de incontáveis segundos calado.

   –Voltaremos à Hack para a inspeção protocolar. – O Anetrix respondeu, calmamente. – Nosso comboio partirá em algumas horas.

   –E o que fazemos até lá?

   Silêncio...

   –A ordem expressa é de retornar para Siren... A base está sendo esvaziada.

   –Mas por quê? – Matthew pareceu estar muito surpreso.

   –Um novo ciclo deverá ser iniciado no mês que vem... – O soldado fez uma pausa. – Novos Anetrix precisam ser produzidos antes da grande queda.

   Matthew se deu por satisfeito, enquanto chutava cadáveres inanimados, só para nutrir o seu sadismo.

   –Então só nos resta voltar para a base. – Concluiu. – Antes de nos despacharem de volta para Hack... Urgh! Odeio aquele lugar.

   –É aconselhável Matthew Grace...

   Depois de muito tagarelar, o Vespa e seus fiéis companheiros voltaram a caminhar por entre as árvores, imersos na satisfação do dever cumprido. Embora fossem robóticos e, de certa forma, muito estranhos, os Anetrix demonstravam ser bem mais humanos do que os Vespas. A única similaridade que compartilhavam era a notável falta de misericórdia e o sangue frio, com o qual executavam suas tarefas. O que, parando para pensar, pode se tornar uma vantagem assustadora, futuramente.

   Alec se escondia embaixo de um véu de culpa e vergonha, nublada pela tristeza, que lhe arrancava a paz e a sanidade, entranhada em segundos e mais segundos de silêncio puro e absoluto. Seu corpo doía terrivelmente, assim como a sua exaurida alma, morrendo, pouco a pouco, sobre as profundezas da pele. Os olhos miravam os restos de Ryan, sujos de sangue e folhas mortas, já sem vida dentro deles, ou a cabeça, que lhe faltava. A confusão de carne, ossos, roupas e armas se destacava entre os tons de marrom e verde, nada naturais para a ocasião, mas morbidamente fundidos numa simbiose estranha. Um filete vermelho escorria pelo chão úmido, denso e grosso, como uma perigosa serpente escarlate. Sua silhueta densa se perdia pela terra, de onde nunca mais iria voltar, juntamente com toda a esperança e a felicidade que havia sobrado.

   Acabou... Não sobrou mais nada.

   Reunindo um pouco de coragem, Alec se ergueu do seu esconderijo, atordoado o bastante para perder a voz. As dores reclamaram, mas ele não deu a menor importância, pois, por pior que fosse, nenhuma dor era tão angustiante quanto o buraco aberto dentro do seu peito. Alec encarava os cadáveres, sem uma emoção que pudesse dar sentido àquele momento, ou, ao menos, encher o vazio com o fogo inebriante da fúria.

   Apenas silêncio...

   E então, encostado sobre pedras cheias de limo e raízes mortas, o garoto se permitiu desabar num choro dolorido e desesperado, contido apenas pelo medo de ser ouvido. A solidão mostrava seus dentes, tão poderosa quanto um pesadelo assustador, combatido apenas com a luz, mesmo que ínfima, de uma esperança valente. Algo muito difícil de encontrar, num imenso mar de desespero.

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