Você não é assim

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Istambul, 11:54 horas.
Casa dos Bolat.
Antes.

Ele só ouvia os choros abafados de sua esposa, seu olhar estava perdido no quadro a frente, sua respiração tão pesada quanto os olhos fixos no que deveria ser ocupado por um filho dali a algum tempo. Não foi assim.

Não iria ser.

Os choros, as lamentações os falsos consolos para com ele. Nada daquilo era novo, se sentia triste, mais uma vez derrotado.

Aquilo era culpa dele? Estava sendo punido por algo que tinha feito? Por que? Por que de novo?

- Ela precisa descansar... - O homem vestido de branco acabava de deixar um dos quartos e vinha pelo corredor, carregava uma pasta consigo e levou uma das mãos aos cabelos deixando escapar um longo suspiro. - ela recusou o sedativo. Parece que vai ficar assim por um tempo.

Serkan não o olhou nos olhos, conhecia aquele discurso já o tinha escutado antes. Diferente das outras vezes preferiu não dizer nada, nenhuma palavra que saísse da boca dele removeria a pedra que pressionava seu peito agora.

- Tem alguma pergunta rapaz? - Ele tinha apenas uma, como voltar no tempo e recuperar seu filho? Como voltar e recuperar cada um deles?

Seu peito se afundou mais enquanto seus olhos ardiam quase transbordando, meneou a cabeça e negou. - Certo, - O médico apertou seu ombro buscando consola-lo, como se pudesse.- Precisa conversar com ela, como eu já havia dito existem outros métodos para conseguir um filho hoje em dia... Ela não está respeitando o tempo do próprio corpo. Não parece certo para vocês.
Serkan permaneceu em silêncio, em seu próprio silêncio, concordava com ele, não era certo, principalmente com aquelas criaturas que nunca viviam o suficiente para conhecer a vida.

Nunca desejou isso, seu desejo de ter uma família não se baseava em dor e sofrimento. Aquilo era tortura.

Após observar o médico sumir no corredor e a voz da mãe o alcançar desde o primeiro andar ele apenas se virou na direção oposta e caminhou quase arrastado até o quarto.
O cômodo completamente mergulhado em escuridão apesar de ainda ser dia.

Limpou o rosto e respirou fundo antes de adquirir uma postura nova, precisava se livrar de sua dor para lidar com a dela.

- Por que as cortinas estão fechadas? - Indagou, ainda sentindo a voz falhar. - Estava pensando, poderíamos sair de férias por uma ou duas semanas. O que acha?
Ela não respondeu, puxando mais os lençóis para o rosto se virou na cama lhe dando as costas. - Pode ser no final de semana se preferir.

Silêncio absoluto. Serkan se sentou na cama ao seu lado e apoiou uma mão onde julgou ser seu ombro. - acho que nos fará bem...
- Eu não quero ficar bem... - Ela explodiu descobrindo o rosto para encara-lo de frente. - Será que você não entende? MEU FILHO! Meu filho acabou de morrer.

- Eu sei... - Ela o fitou com desordem, rancor, um pouco de raiva. Mas ele não entendia o porquê da raiva ser direcionada a ele. Ele também tinha perdido um filho. - também era meu filho.

- Não, - esbravejou, seus olhos faíscavam amargura. - você não sabe, nunca vai entender... O que é carregar um filho.

- Ele também era meu filho.

- Mas eu o estava gerando... Será que não entende? Nada dá certo! Eu não consigo ser mãe e você... Você nunca será um pai. - ela cuspia as palavras, tão cega que não era capaz de enxergar a dor exposta nele.

Serkan estava quebrado, mas precisava junta-la antes de juntar a si próprio.

- O médico... ele disse que precisamos parar... Procurar outra maneira...

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