Capítulo 37

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O sol já havia se posto a algum tempo, e eu continuava sentada no chão, encarando o baú na minha frente, como se de alguma forma eu esperasse que ele me incentivasse a abri-lo. Voltei o olhar para a janela aberta do meu quarto. Uma brisa fria passava por ela. Lá fora, o céu já adiquirira aquele tom escuro de azul, e de onde eu estava, podia ver alguma estrelas pontilhando aquela imensidão. Olhei novamente para o baú. Eu precisava descobrir o que havia dentro, mesmo que seu conteúdo me decepcionasse. Ou até mesmo, me assustasse. Eu havia procurado por isso. Por que recuar agora?

Com um suspiro decidido, me aproximei do baú, e antes que eu tivesse a chance de relutar, enfiei a chave na fechadura e girei. A tranca fez um clique, indicando que estava livre. Posicionei minhas mãos na parte superior e levantei a tampa de uma só vez. Mal percebi que havia fechado os olhos. Quando os abri, analisei o conteúdo do baú. Não sei o que eu esperava encontrar, mas talvez aquilo fosse o óbvio de se esperar de um baú de bruxa. Lá dentro haviam um punhado de livros com aparência antiga e capas com desenhos estranhos, objetos peculiares que eu não soube identificar, saquinhos de pano marrom com cristais coloridos dentro - eram muito bonitos, na verdade -, e diversos amuletos parecidos com os que Alina tinha em sua loja. Vasculhei o conteúdo dos livros, e percebi que a maioria estava escrito em uma língua que eu não conhecia, talvez latim. Algumas páginas estavam rodeadas de símbolos que eu não compreendia. Imaginei se aquilo não seriam livros de feitiços. Uma parte de mim ficou empolgada, mas a outra, ainda achava tudo muito estranho.

Entre os livros, havia um deles que não parecia tão antigo assim. Na sua capa, havia um desenho em alto relevo de uma linda árvore cheia de galhos, e pequenos cristais lilases faziam o papel das folhas. Desamarrei a fitinha que o prendia e o abri. Sorri quando consegui reconhecer aquelas palavras. Estavam escritas na minha língua. Vasculhei as páginas brancas, correndo os olhos rapidamente por elas. Algumas continham os mesmo símbolos dos outros livros. Parecia uma tradução para eles. Folheei o livro até me deparar com diversas páginas em branco. Corri os dedos por elas, sentindo um vazio de repente. Aquele caderno era da minha mãe, e ela não havia conseguido terminar de escrevê-lo. Larguei o caderno cuidadosamente ao meu lado - Eu iria lê-lo com mais calma depois - e continuei a vasculhar o conteúdo do baú. Algumas plantas amarradas em fitas marrom estavam se dissolvendo ali dentro. No fundo do baú, minhas mãos encontraram outro livro, alheio aos outros. Ele tinha uma capa de couro simples, e cheirava a mofo. Parecia muito antigo, mas resistia ao tempo. Quando o abri, algumas folhas soltas caíram no chão, e eu percebi que não era só mais um livro. Aquilo era o diário de alguém. O diário muito antigo de alguém.

As folhas estavam amareladas devido ao tempo, e a caligrafia parecia relatar séculos antes, apesar de muito bonita. Sorri quando vi que também conseguia entender algumas palavras ali escritas, apesar de algumas estarem desbotadas. A primeira página estava datada do ano de 1019. Parecia que as páginas antes dessa haviam sido arrancadas. Ansiosa, comecei a ler o que estava escrito.

12 de fevereiro, 1019

No dia anterior a esse a que escrevo, vi uma garota andando sozinha pelas ruas do vilarejo. Devo confessar que imediatamente me senti hipnotizado pela beleza dela. Acredito que não somente eu, mas todos que ali estavam. Mas não era somente pelo brilho dos seus longos cabelos castanhos que caíam soltos pelas costas, nem pela peculiaridade dos seus lindos olhos dourados, e nem mesmo pelas feições adoráveis de seu rosto. Algo nela havia atraído minha atenção. Talvez fosse algo no seu jeito leve, e ao mesmo tempo determinado de caminhar. Ou algo em sua expressão forte, e ainda assim, gentil. Ela parecia alguém que havia, um dia, conhecido o lado sombrio da vida, mas ainda assim, tendia a continuar vendo o lado bom em tudo. Ela parecia um livro repleto de mistérios que você daria qualquer coisa para ler. Eu não saberia explicar o que senti naquele momento, mas posso dizer, sinceramente, que desejei ir até lá e conversar com ela, nem que de meus lábios saísse apenas um "Bom dia, senhorita". Mas continuei ali, observando-a de longe, vendo-a sorrir para uma criança que passava correndo por ela, imaginando se alguma dia tornaria a vê-la.

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