CAPÍTULO 1

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Charlotte passou pelo grande corredor indo em direção ao escritório do tio. Todos ali ainda a olhavam meio enviesado, pois ainda que já tivesse explicado exaustivamente que tinha sido enganada por David e Stephanie, ela tinha prejudicado a empresa. Quase um ano depois e as ações ainda não tinham voltado ao que valiam antes do escândalo que estampou os jornais, descrevendo o superfaturamento das compras de obras de arte para a galeria da família Delacour.
Charlie sorriu para a secretária que lhe fez um sinal para entrar sem nem mesmo largar o telefone. Ela era bonita e jovem. Charlie se lembrou que quando a viu pela primeira vez, pensou que estava ali por ser bonita e talvez por ter um caso com seu tio. Mas a verdade não poderia estar mais longe disso. Charlie descobriu que o tio era um workaholic dos piores, e sua secretária teria de acompanhá-lo. Christie era tão competente quanto bonita. E quanto ao terem um caso, bom, ela descobriu que seu tio era gay.
Charlie ficou pensando no quanto ficou impressionada quando descobriu isso. Depois, constatou que isso não mudava em nada o carinho que tinha desenvolvido por ele. Seu tio era frio e reservado, mas generoso e ela estava descobrindo que ele admirava muito o esforço de Charlie em trabalhar na empresa. Ela ainda imaginava se a oferta do apartamento e a mesada eram um teste. Se era, Charlie tinha passado. Tinha aceitado o apartamento, mas ao invés da mesada, tinha pedido um emprego.
Pensou em todas as vezes que o pai tinha falado mal de seu tio e entendeu que o preconceito e intolerância de seu pai tinham ajudado na distância entre eles, além de todos os problemas familiares que eles já tinham. Seu pai era um homem das cavernas retrógrado e orgulhoso.
"Bom dia, tio Francis. Queria me ver?" Ela entrou no escritório muito bem decorado. Sempre se sentia orgulhosa de ser sobrinha dele quando entrava ali. O escritório era sóbrio e elegante, como seu tio. Que aliás, não estava sozinho. Charlotte sorriu ao ver quem estava no escritório. Ela sempre quis conhecê-lo.
"Bom dia, Charlotte. Sente-se." Seu tio estava estranhamente mais sério que o normal."Pelo sorriso, acho que você já conhece Simple."
Ele sorriu para ela enrugando o famoso narizinho achatado. Amy tinha contado a última proeza dele ao ajudar no resgate de Vengeance a uns meses atrás.
"Prazer em conhecê-la, Charlotte." A voz era um pouco menos infantil do que ela esperava. O olhar, então, tinha um brilho calculista, coisa que Charlotte nunca imaginou ver nos olhos de uma criança. Quantos anos ele tinha mesmo? Seis?
"Muito obrigado por me receber, tio Francis. Posso ir procurar meus irmãos?" Ele disse a título de despedida. Não seria dessa vez que conversaria com ele. Sua sala estava lotada de coisas para fazer.
"Se não há mais nada que você precise, sim, é claro que pode ir. O tour pela empresa e a fábrica deve estar na metade." O tio disse. Charlie pensou que pareciam dois homens fechando um negócio.
"Charlotte, espero que possa nos visitar qualquer dia desses. Tchau!"
E ele saiu sem esperar Charlie responder. Ela olhou para o tio e ele deu de ombros e desviou o olhar. Tudo estava muito estranho.
"Tour? Porque ninguém me falou nada, tio? Quem veio? O senhor sabe que adoro todos eles. James veio?"
Ela se remexeu na cadeira. Se James estivesse na fábrica, havia uma chance grande de outra pessoa também estar.
"Harley me ligou perguntando se os trigêmeos poderiam vir conhecer a empresa e a fábrica. É claro que eu aceitei. E então, esse homenzinho apareceu no meu escritório e... Não importa, Charlie. Preciso sair, não tenho muito tempo sobrando, então vamos ao que interessa: Vou precisar que você me substitua num encontro com investidores no meu chalé."
"Chalé?" Desde quando seu tio tinha um chalé?
"Uma casa nas montanhas que tenho, Charlie. Eu vou enviar os detalhes por e-mail. Eu preciso muito que você vá. Amy fazia essas coisas às vezes."
O tio a chamando de Charlie era muito esquisito. Ele era formal demais, o apelido na voz dele, quase a fazia se questionar  se ele estava doente.
Mas ele tinha dito a palavra chave: Amy.
Ela se sentia mal demais por tudo que causou a Amy, mesmo que o fato de Amy não estar ali, não fosse culpa dela. Amy estava vivendo feliz com seu marido e seu filho lindo e enorme. Mas se Amy fazia essas coisas, ela devia fazer, pois seu tio trabalhava demais. O que seria um final de semana a mais ou a menos? Ela sempre os passava sozinha, estudando.
"Claro, tio. Eu fico feliz por ajudar " Ele sorriu. Outra coisa rara. Charlie sorriu de volta.
"Obrigado, minha querida. Você só terá de ouví-los e dar a resposta que enviarei para você. É claro que eles pretendem aproveitar o serviço, a vista, o clima, etc, você sabe como é."
Um chalé nas montanhas. Com certeza seria mais uma mansão nas montanhas, afinal, seu tio sempre se rodeava do melhor que estava disponível.
Ela olhou o céu através da enorme parede de vidro que ficava atrás da cadeira de seu tio. Estava frio, muito frio, com possibilidade de nevar.
"Mas e o clima, tio? Pode piorar."
Ficar presa naquele chalé com investidores desconhecidos não era algo que Charlie apreciaria.
"Bobagem. Eu não confio nesses meteorologistas, Charlie, o tempo não vai piorar, pode confiar em mim."
Charlie assentiu com a cabeça. Ela tinha que preparar roupas, acessórios, malas. Ela adorava essas coisas de executiva. Não era uma executiva de verdade, trabalhava no setor de criação, aprendendo todas as etapas de como os produtos Delacour eram produzidos, distribuídos e vendidos. Ela adorava a fábrica. E tinha participado ativamente de um novo perfume, e o sucesso deste nas vendas estava a enchendo de orgulho!
Charlie se levantou e saiu da sala. Tinha muito a preparar. Um chalé nas montanhas, com serviço completo, piscina aquecida, SPA, tudo a disposição, tendo apenas de entreter alguns executivos enfadonhos. Seria uma boa mudança de ares.
Talvez nem todos fossem enfadonhos. Talvez houvesse algum executivo bonitão e solteiro, que pudesse fazer o final de semana valer a pena.
Charlie balançou a cabeça, afastando a imagem que se estampou na mente dela. Era só ver ou até pensar na possibilidade de encontrar alguém que sua mente traidora e seu coração idiota evocavam o rosto perfeito daquele mentiroso, imbecil, ridículo, safado, desgraçado, filho da puta...
Mesmo o xingando de todos os nomes feios que ela podia imaginar, a imagem do sorriso de lado, travesso, dele não desvanecia. Charlie quase podia sentir a maciez dos lábios dele contra os dela.
"Pare com isso, Charlie! Ele está dormindo com todas aquelas mulheres altas, atléticas e bonitas. Você tem de parar de comparar qualquer homem que apareça na sua frente com aquele maldito!"
Até porque ele infelizmente era o homem mais bonito que ela já tivesse colocado os olhos.
Charlie entrou na sua sala, no setor de criação, depois de passar por sua assistente. A mulher parecia uma beterraba, estava toda corada. Será que tinha adoecido?
"Norma? Aconteceu..."
"Charlie! Nossa! A cada dia você parece mais bonita!"
Charlie entendeu a vermelhidão. Três Novas Espécies estavam na sua sala, a fazendo parecer ainda menor.
"James, Joe! Que bom que vieram!" Ela os abraçou. James, que tinha sido quem a elogiou, a abraçou mais apertado. Seria muito melhor se James tivesse tocado o coração dela ao invés de...
O terceiro sorriu e fez as pernas dela bambearem um pouquinho. Ele era a causa da vermelhidão de Norma.
"Não poderíamos trazer os trigêmeos sem dar uma passada para te dar um abraço. Se você quiser, é claro." E abriu os braços.
Charlie se lançou nos braços dele. Era tão bom! Ela se sentia segura, querida e protegida.
"Mas é claro que eu adoraria um abraço seu, Vengeance."

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