CAPÍTULO 39

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O sol estava se pondo, o céu tingido de rosa, laranja e azul fizeram Charlotte suspirar. Era um lugar lindo aquele ali a margem do grande lago.
"Justice custou a adicionar essas terras a Reserva. O dono estava pedindo uma fortuna. Eu fui um dos que o aconselhou a deixar pra lá. Mas Jessie pediu ao pai para intervir, e no fim, saiu quase a preço de banana."
Brass se sentou ao lado dela no chão.
Eles nunca tinham conversado sozinhos. Ele era simpático, mas também um pouco sombrio. O cabelo bem curto o deixava com cara de poucos amigos. Ele e Harley eram uma espécie de irmãos, então, ele seria cunhado de Amy e tio de Miracle, o que dava a ele status de parente de Charlotte também.
Ele passou a mão pelos cabelos curtos.
"Sentindo falta da cabeleira?" Ela perguntou. Era até engraçado ver todos aqueles homens enormes com os cabelos curtos, Brass, assim como Harley, continuaram muito bonitos.
"Pra mim, os cabelos sempre tiveram a mensagem de que eu sou livre, agora. Nas instalações, eles raspavam nossos cabelos. Mas depois de tanto tempo, eu vejo, que existem tantos tipos de liberdades, algumas tão sutis que não percebemos. E que também, existem prisões que nós mesmos criamos pra nós."
Ele falava com um sorriso calmo no rosto, mas seus olhos cor de uísque, estavam sérios.
"Eu devo concluir que você quer me aconselhar a morar aqui?" Ela estava cansada. Todos pareciam pensar que ela era uma garota mimada, que tinha o coração de Peter nas mãos e estava fazendo ele ir embora dali por puro capricho.
"Sabe, a primeira vez que eu vi Vengeance, foi quando fomos participar pela primeira vez da força tarefa. Justice, sabia que se queríamos ser um povo, devíamos estar presente em todos os processos para viabilizar isso. Então, depois de conseguirmos ser responsáveis por nossa própria segurança, também devíamos ser responsáveis pelo resgate dos nossos irmãos. Vengeance tinha um olhar assassino, era calado, grande e forte. Ele escolheu seu nome quando fomos efetivados como membro. Os nomes deles me deram calafrios: Wrath, Shadow e Vengeance. Eu pensei, que porra de nomes são esses?" Ele riu.
Charlotte sorriu também, ele era um bom contador de histórias.
"E na primeira missão, Vengeance fez merda. E não estou falando de qualquer merda, foi uma merda gigante. Ele quase violentou Lauren, que hoje é a companheira de Wrath."
Charlotte arregalou os olhos. Meu Deus! Era impossível imaginar Vengeance fazendo algo horrível como isso!
"Então, você pode ver, Charlotte. Nós somos tão humanos quanto você. Porém, nossa herança genética nos faz ser diferentes em coisas que uma pessoa como você nunca entenderia."
Ele olhou para o pôr do sol. O céu estava mais escuro.
" Vengeance percorreu um longo caminho até passar de um Nova Espécie que todos queriam ver longe, até se tornar o macho que você conhece hoje. Slade se diz o grande diretor desse lugar, mas assim como Dusky e Blue são nossos exemplos de ética, Vengeance é aquele que faz com que nos sintamos seguros. E segurança pode parecer algo simples para você, mas é crucial pra nós. Nossos filhotes são nossas vidas."
Era uma maneira diferente de dizer que se ela continuasse insistindo para que Peter se fosse, Vengeance acabaria indo e que numa eventual invasão, ou algum atentado a algum deles, a culpa seria dela.
Charlotte o encarou. Ele estava sério.
"Como eu disse, Charlotte, as liberdades têm um preço."
Ele se levantou. John veio correndo e se lançou aos braços dele. Ele o pegou e jogou para o alto. Os gêmeos vieram e também saltaram nos braços dele. Charlotte se admirou da força dele ao segurar três crianças grandes e fortes ao mesmo tempo.
"Espero que não demore pra você concordar em termos um desses. Meu pai não vai me perdoar se Valiant, ou que Deus nos livre, Slade, for avô primeiro que ele." Ele disse com seu sorriso malandro no rosto, mas, puta que pariu! Era o dia dos assuntos chatos?
"Eu preciso terminar a faculdade e me consolidar no mercado. Até poucos dias atrás, eu achava que fazia um bom trabalho na fábrica, mas seu pai jogou na minha cara que só estou lá por ser sobrinha e prima dos donos."
Ser chamada de egoísta não doeu tanto quanto aquilo.
"E ele estava mentindo? Fiona começou no estacionamento. Você já imaginou o que é ter um diploma de contadora e passar o dia distribuindo tickets de estacionamento? Ou Joel que era lavador de limusine, ou a senhora Melvis, que fazia a limpeza do prédio onde funcionava a escola de  gastronomia? Não estou dizendo que você não tenha talento ou que não seja boa no que faz, mas ser sobrinha do dono ajuda, ou não?"
Ele era implacável, e estar apaixonado por ela não anulava isso.
"Não tente me colocar contra meu pai, Charlie. Como ele disse, alguém precisa colocar um pouco de realidade nessa sua linda cabecinha."
Ele disse e saiu andando. A veia briguenta de Charlotte se inflou, ela se levantou e saiu atrás dele pronta pra briga. Mas ele parou na margem do lago e ficou imóvel.
"Eu tive uma visão do meu nascimento." Ele falou e os olhos dele estavam claros e cristalinos na pouca luz do começo de noite. "Vi minha mãe, pouco antes dela morrer. Ela era tão linda! Sua voz era tão doce!"
Um bolo se prendeu na garganta de Charlotte. Devia ter sido terrível!
"Quando?" Ela perguntou. Eles passaram a noite e o dia fazendo amor. Ela ainda estava meio dolorida.
"Ontem, quando acordei e fizemos amor. Eu fiquei admirado por vê-la, mas depois entendi que não era sobre eu, ou sobre ela. Era sobre as palavras que ela disse depois de me dar o nome de Peter."
Ele estava sério. Era uma réplica fiel de Vengeance, com sua carranca. Os olhos dele pareciam duas pedras de gelo azul. Duas adagas de gelo azul, na verdade. Charlotte sentiu um pouco de medo.
"Me diga cada palavra que você e Sheyla conversaram. Cada uma, Charlie." Ele estava com as mãos cerradas em punhos.
"Nós conversamos sobre tantas coisas, Peter. Algumas coisas eu nem me lembro direito." Era verdade. Nos oito dias que Charlotte ficou presa, ela e Sheyla falaram sobre milhares de assuntos.
"Certo." Ele disse e começou a se afastar. Ela foi atrás dele, mas algo a fazia se sentir tão distante!
"Peter, e quando iremos embora? Eu não me importo se ficarmos mais, mas preciso falar com a faculdade."
Talvez falar sobre uma coisa prática ajudasse a desanuviar a tensão.
"Talvez você deva ir. Suas preciosas aulas são mais importantes do que o problema que temos aqui. Max talvez entenda que você não vale o risco e te deixe estudar e trabalhar em paz."
"Peter, eu sinto tanto! Eu sei que parece que as minhas questões são tão frívolas, mas é a minha vida! Eu não posso dar as costas pra tudo que eu sempre sonhei! Vocês me fazem me sentir um monstro!"
Ele parou e a abraçou. Ela enterrou o rosto no peito dele. O cheiro dele acalmou a onda de desespero que ela sentiu com as palavras dele.
"Um bom macho presa pelas necessidades de sua fêmea, sejam quais forem. Não pense que não dou valor para tudo o que você faz ou que quer fazer, Charlie. Só que estamos falando da vida de todos aqui, ok? Eu cresci sendo uma cobaia viva, Charlie. Não posso ariscar que John, Rubi, Ann, Flora, Lunna, Brave, Gift ou Miracle passem por um décimo do que eu passei, amor."
Ele falou nomes de crianças que ela conhecia e outras que ela nem tinha visto ainda, como Ann, a filha de Kit e o congressista Robert Crane. Charlotte começou a se sentir o monstro que ela própria tinha falado.
"Mas como ficamos? Essa visão que você teve, tem a ver com Sheyla? Ou com Max? E como vamos poder morar juntos com tudo isso acontecendo? Eu só preciso saber de tudo, Peter. Eu quero poder decidir, mesmo se for para largar tudo, eu preciso saber de todas as alternativas."
"Eu sei, amor, eu sei. Precisamos conversar, eu mesmo não sei direito o que fazer. Eu estou uma pilha de nervos! O único momento em que me sinto em paz é quando estou dentro de você." Ele disse e a beijou.
Charlotte se rendeu ao beijo. Talvez esse fosse o problema. Eles estavam envolvidos demais, a fome que tinham um pelo outro os impedia de avaliar friamente a situação.
Ele a pegou nos braços e começou a correr, logo eles passavam pela porta da cabana. Eles esfriariam a cabeça em outro momento.

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