CAPÍTULO 16

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Peter viu o carro arrancar cantando pneus e deixou seu corpo cair.
"Maldição! Pai, o que foi aquilo?" Ele olhou para Vengeance de pé como uma estátua, seus olhos longe. Ia falar alguma coisa, mas o calafrio na espinha que já estava se tornando familiar o tomou. A dor de cabeça veio forte o fazendo fechar os olhos. E os olhos escuros de Joel, vidrados pela morte estamparam sua mente.
" Joel! Pai, onde está o Joel?" Vengeance o olhou e eles correram. O bairro onde foram atacados era composto por um labirinto de ruas, com várias casas em construção. A rua onde a limosine estava era deserta e estreita.
A porta do motorista aberta e lá estava Joel tombado no banco o rosto na direção do banco de trás onde Charlotte deveria ter estado. O carro estava inundado do cheiro de sangue, de Charlotte e do medo que ela sentiu. Peter não conseguiu segurar o uivo de dor que brotou das suas entranhas.
Mas no meio de tudo aquilo, ele ouviu as batidas fracas e descompassadas do coração do homem caído.
" Pai! Ele ainda está vivo! Posso ouvir o coração dele, está fraco, mas ainda está batendo."
Vengeance baixou os olhos.
"Sem Gabriel não adianta, filhote. Os médicos normais não conseguiriam reverter isso. Só tirar ele daí já vai o matar de vez. Eu sinto muito, não foi sua culpa. Foi minha!" E foi a vez de Vengeance uivar.
Mas Peter não se renderia assim. Ele não deixaria Joel morrer sem fazer nada. Se Joel morresse, tio Francis morreria também. Ele não seria capaz de conviver com a morte dos dois.
"Não temos Gabriel, mas temos você, pai. Temos seu sangue. Eu me cansei de ouvir Gabriel falando sozinho sobre todas as merdas que fez com você. Se pudermos colocar seu sangue nas veias dele, ele teria uma chance."
Vengeance olhou nos olhos de Peter. Esse era o pai que ele amava, o pai incrível que não desistia.
"Você acha que essa lata velha consegue andar?" Ele disse.
A limosine apenas tinha perdido uma porta e a outra parecia em vias de cair, mas o motor não parecia ter sido atingido.
Peter entrou no carro, arredando com cuidado o corpo de Joel e o colocou em movimento.
"Vamos! Vou abrindo caminho." Vengeance ia começar a correr quando Peter o chamou.
"Pra onde, pai?"
"No centro comercial do condomínio, lá tem uma pet shop. Eu acho que consigo convencer a dona a nos ajudar." Ele sorriu, um sorriso malandro. A veterinária nem saberia o que a atingiria.
E saiu correndo a frente da limosine. Os seguranças abriram a comporta ante um rosnado dele e em poucos minutos estavam no centro comercial a frente da pet shop. Tudo o que Peter conseguia fazer era contar os fracos batimentos do coração de Joel e orar. O reverendo Bhrams tinha razão, haviam momentos em que só a fé em algo superior poderia fazer com que se seguisse em frente.
Três horas depois, os olhos escuros de Joel se abriram e ele se sentou na maca onde o deitaram com a fisionomia assustada.
"Charlie! Onde ela está, Hunter?"
"Calma, Joel. Uma coisa de cada vez. Como está se sentindo?" Vengeance perguntou olhando nos olhos de Joel.
"Eu estou... Peraí, eu não morri?" Ele começou a se apalpar, notando os curativos em seu peito, onde estavam os buracos feitos pelas balas.
Ele puxou uma bandagem e ficou olhando a cicatriz sobre a pele. Ele tocou, pressionou com o dedo, e olhou para Vengeance.
" Eu me lembro dos tiros que tomei, a dor que senti. Como posso estar aqui, como isso é possível?"
"Graças ao meu velho amigo Gabriel e a Peter por ser tão esperto. Agora, vamos tirar o tio Francis de dentro daquele quarto do Pânico onde eu o prendi." Disse Vengeance.
Ouvir o nome de Francis Delacour fez Joel se deitar. Ele fechou os olhos e disse:
"O que aconteceu com Charlotte? Se ela não estiver bem, Francis não vai resistir."
Peter sentiu o rosnado subir por sua garganta, mas não era hora de rosnar, era hora de agir.
"Vamos pra casa, Joel. Meu pai já chamou reforços. Eles não vão escapar."
Os idiotas levaram Torrent junto. E Torrent tinha um rastreador debaixo da pele. Ainda que ele estivesse sendo controlado por aquela vadia, se ele se lembrasse de tirar o rastreador, eles teriam a última localização. E eles tinham Silent, e, em último caso tinham Simple.
A veterinária olhava para eles ainda surpresa com tudo o que tinha acontecido na clínica dela.
"Muito obrigado, Lisa. Eu te devo. Peça o que quiser e será seu."
Vengeance disse com um sorriso. A mulher parecia hipnotizada pelos olhos dele. Seu velho tinha jeito com as mulheres!
"Eu vou pensar em alguma coisa." Ela sorriu.
Na mansão, o tio de Charlotte já tinha saído do quarto do Pânico e o lugar fervilhava de policiais do condomínio.
Quando chegaram, Joel parou a frente do homem mais velho e eles se olharam.
"Obrigado por ter dado sua vida por minha sobrinha." O tio Francis falou.
Joel fez um aceno de cabeça e saiu em busca de roupas limpas. E Peter entendeu o tamanho do amor que unia os dois homens. Estava além de abraços e beijos. Era uma união de almas.
"Então, quer dizer que Torrent está junto de Charlotte. Eu fico um pouco aliviado." Tio Francis falou e Peter considerou se deveria dizer a verdade ou deixar o velho senhor ter um pouco de esperança ainda que falsa.
"Sim. E graças a isso, os encontraremos." Vengeance disse pondo fim a dúvida de Peter. Era melhor dar esperança falsa ao velho do que desespero.
"Eu sou Vince Greyson. Chefe de segurança do condomínio. Preciso de um relato de tudo o que aconteceu. Qual de vocês dois vai colaborar comigo?" O homem era alto e forte. Sua pele negra faria sucesso entre as fêmeas Nova Espécie se ele aparecesse na Reserva ou em Homeland.
Peter olhou para o pai e este ergueu as linhas finas de pelos raspados que sobraram de suas sobrancelhas.
"Não me interessa quem diabos você seja. Não precisamos da sua polícia, nós resgataremos Charlotte. Se quiser realmente ajudar, saia do nosso caminho."
Vengeance ainda rosnou e mostrou suas presas para o cara. O tal Vince, porém, não se abalou.
"Eu sou responsável por todos os moradores daqui. O que quer que façam eu quero estar dentro. Isso não é negociável."
Vengeance era temido por até mesmo Novas Espécies grandes e fortes. O humano ter o enfrentado fez com que um certo brilho de admiração passasse pelos olhos claros de seu pai.
"Tudo bem, mas não serei sua babá. Se nos vermos em luta com os soldados cheios de merda nas veias, você está por sua conta." O homem franziu as sobrancelhas.
"O que quer dizer com merda nas veias?" Ele perguntou.
"Merdas do tipo que te permitem quebrar um vidro de trinta milímetros com um único soco. Ou que façam com que você continue vivo mesmo depois de levar vários tiros."
O queixo do homem caiu. Ele se recuperou, passou a mão pelo cabelo curto e acenou com a cabeça.
"Vocês podem fazer essas coisas? Podem continuar vivos depois de receberem tiros? Correr em alta velocidade? Levantar tanques?"
"Eu nunca levantei um tanque, mas o resto, sim, eu posso." O pai disse. O homem recuou e disse:
"Certo, mas estarei aqui, vou fazer parte do resgate."
Vendo que o homem não sairia da sala, Peter achou melhor chamar o pai para conversarem no quarto. Havia muito a ser dito.
"Pai, como Torrent pôde fazer aquilo com Charlie? Eu não entendi nada. Ele mataria Charlie se aquela desgraçada mandasse?" A dúvida corroía as entranhas de Peter. Se aquela puta controlasse Torrent, a última preocupação deles seriam os soldados com merda nas veias.
"Eu estive pensando nisso, filhote. Antigamente dizíamos que machos vinculados fariam qualquer coisa por suas companheiras. Slade, por exemplo, deixou Trisha achar que ele não queria nada com ela, na intenção de protegê-la. Justice assassinou outros Novas Espécies que ameaçaram Jessie. Moon perdeu a razão, ficou louco devido a uma droga e Joy conseguiu trazê-lo a razão. Mas nunca ouvi falar de um Nova Espécie que pudesse quase matar uma fêmea indefesa para impedir que sua companheira vinculada se matasse."
Peter sentiu a dor no peito quando se lembrou de Torrent apertando o pescoço de Charlotte. Eles tinham que encontrá-la!
"Pai, não posso esperar eles chegarem. Tenho que ir atrás dela!"
"E morrer no processo? Veja, filhote, você não sentiu nada estranho nessa casa? Quantas premonições você teve desde que chegou aqui? O que o cardiologista disse sobre o coração do tio Francis? E desde quando Torrent desenvolveu um fator de cura como o meu ou o seu, sem que nunca tenha usado nenhuma das drogas de Gabriel?"
Peter parou um instante de respirar.
O cardiologista disse que o coração do tio Francis estava mais forte que o dele. Mas as batidas continuavam irregulares. Ele fechou os olhos e se forçou a ouvir os corações das pessoas que estavam ali. Haviam cinco batidas diferentes, mas ele sabia que haviam mais de vinte pessoas perambulando pela propriedade.
"Pai, não consigo ouvir todos os corações que eu deveria estar ouvindo. O que isso quer dizer?"
"Quero dizer que não estamos no nosso normal. Há alguma coisa nessa casa que confunde os nossos sentidos. Vamos ao bosque."
Chegaram ao bosque, e quanto mais adentraram por entre as árvores, mais os sentidos de Peter se ampliavam. O cheiro, os sons, tudo parecia amplificado.
"Pai?"
Vengeance parou e encheu os pulmões de ar.
"Eu não tive nem um vislumbre de nada, enquanto estávamos na porra daquela casa. Só percebi alguma coisa diferente, quando estávamos treinando e pude ver o golpe que você tinha planejado me dar antes de você fazer. Aí, eu comecei a observar que dentro daquela casa, eu estava totalmente cego, filhote."
Peter também, ele concluiu. Quando Joel ia morrer, ele o viu morto. Então por que nem ele, nem seu pai viram o que aconteceria com Charlie?
"Mas Gabriel está morto, pai. Quem seria capaz de fazer alguma coisa dessas? Nem sabemos o que pode ser!" Peter sentiu o desespero em sua voz. Como seu pai conseguia ficar tão calmo?
"Gabriel está morto, filhote, mas Michael está vivo, muito vivo."

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