CAPÍTULO 3

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Charlotte respirou fundo, o vôo estava sendo turbulento e ela não gostava de voar de helicóptero. O tio tinha razão em dizer que seria mais rápido e prático ir de helicóptero, mas para ela era como estar desprotegida a vários metros de altura e debaixo de chuva ainda por cima.
"Não se preocupe, senhorita Delacour. Estamos acostumados a voar nessas condições. Daqui a pouco tempo a senhorita avistará a vila de sua família."
E logo ela realmente avistou o "chalé" do tio. Uma imensa mansão de pedra cercada por  jardins situada numa colina. Charlotte prendeu o fôlego. Nessas horas ela dava razão a mãe quando ela dizia que o dinheiro não trazia felicidade. O tio e Amy eram proprietários de tanta riqueza, mas Amy agora morava numa casa de dois quartos e não havia pessoa mais feliz que ela. O tio, não que fosse infeliz, mas também não saía exalando felicidade pelos poros.
Charlotte sabia que nunca seria dona de nada com aquela opulência, por isso iria aproveitar o máximo que pudesse.
O tio tinha lhe enviado os documentos que seriam assinados no encontro. A viagem nada mais era que uma ocasião de estreitar os laços comerciais com um grande fornecedor de insumos para a produção dos cosméticos e perfumes produzidos pela empresa. O final de semana seria para aproveitar a mansão e causar uma boa impressão. Ela podia fazer isso. Seria simpática e profissional.
Ver toda aquela área verde a fez lembrar de quando visitou a Reserva e encontrou Hunter depois de ter fugido dele. Ele não disse nada, apenas  questionou o porquê de ela ter ido lá, como se não tivesse mentido e a enganado. Como se não tivesse quase tirado a virgindade dela enquanto planejava entregá-la a polícia.
O helicóptero se aproximou do heliporto, baixou suavemente e pousou. Os pilotos a ajudaram com as malas e ela ficou parada debaixo de um toldo, esperando alguém aparecer. O tio disse que estariam esperando-a.
Os pilotos alçaram vôo e logo ela começou a discar o número do tio. Sem sinal. Ela olhou para os lados e resolveu caminhar até a casa, não era longe e havia um caminho coberto até um grande espaço que parecia um salão de convenções coberto. De lá havia outro caminho, esse descoberto, para a casa enorme de três andares.
Durante todo o percurso, ela não viu ninguém. Estava começando a ficar com medo do piloto ter pousado no endereço errado. O tio talvez tivesse mais de uma mansão nas montanhas e essa talvez estivesse sem funcionários no momento. Tentou de novo ligar para o tio, porém o aparelho continuava sem sinal.
A casa estava iluminada e quando foi bater, descobriu que a porta estava aberta e foi entrando.
O vestíbulo era encantador com madeira aparente, enormes vasos de plantas e a visão de uma escadaria dupla com um enorme candelabro de cristal pendendo do teto que estava a mais de oito metros do piso.
Ela girou olhando todos os detalhes e se emocionou com a foto que ficava no primeiro patamar que unia as duas partes da escada. Eram Amy, seus pais e seu tio, todos sorridentes na pintura. Subiu os degraus, ficou nas pontas dos pés para olhar melhor e viu que o artista tinha até colocado o sorriso de Amy com um dente faltando. Ela retribuiu o sorriso mesmo sabendo que era uma coisa tola de se fazer, mas era a ação automática ao se deparar com o quadro. Charlotte fez uma prece muda rogando que seu tio e tia estivessem juntos e bem. Ela não era muito religiosa, mas sua mãe e pai eram. E eles acreditavam que a morte era apenas uma passagem para uma vida diferente. Ela sentia menos medo da morte acreditando nisso, então, por que não?
Ela desceu as escadas, pegou a mala e se dirigiu a sala de estar enorme e luxuosa chamando alto por alguém e não teve resposta. A enorme lareira de mármore, porém, estava acessa.
Por ter corrido os poucos metros na chuva e estar com o casaco molhado, ela o tirou. As chamas traziam calor e aconchego, mas ela tinha de encontrar os funcionários que deveriam tê-la recepcionado. Ninguém estava a vista.
Depois de um tempo tomando coragem para deixar o calor das chamas, Charlie começou a explorar o lugar, chamando alto, abrindo e fechando portas até que encontrou a cozinha onde uma panela estava sobre o fogão, desprendendo um cheiro delicioso. Charlie destampou a panela e a aparência do caldo que borbulhava dentro desta era tão prazeroso quanto o cheiro.
"É carne de alce. Caçado pelos filhotes. Espero que você goste. Eu não achei muitas opções de tempero, mas tem pão fresquinho e..."
Charlie abriu a boca e esqueceu de fechar. A voz de Hunter atrás dela a paralisou. Como ele ousava? Ela se virou bruscamente e deu de cara com o peito super desenvolvido dele. O cheiro daquele homem irresistível encheu suas narinas e ela acabou engolindo todos os palavrões que ia falar.
"Por favor, Charlie, não fique nervosa, ok? Vamos comer e nos instalar e aí conversamos, que tal?"
Ele disse erguendo o queixo dela com um dedo. Charlie mergulhou nos olhos cristalinos dele e ainda estava com dificuldade de encontrar sua voz.
Mas ela não podia cair na lábia daquele mentiroso! Pensando em lábia, ela olhou para os lábios cheios dele e viu que ele se aproximava devagar, sem tirar os olhos dos dela. Depois de tanto tempo, provar aqueles lábios de novo seria incrível. Mas ela não podia. Tirou forças de onde ela nem saberia dizer, fechou os olhos, respirou fundo e gritou:
"Seu filho da puta! Eu quero ir embora agora!"
Hunter suspirou e se afastou com as mãos para cima.
"Certo. Você vai se fazer de durona. Tudo bem, o ensopado está aí, seu quarto fica no segundo andar, a terceira porta a direita."
Ele disse virando as costas para ela e saindo da cozinha, soltando o cabelo do coque que ele tinha feito no alto da cabeça.
Charlie ficou olhando ele se afastar. O cabelo estava comprido, ondas e ondas negras de cabelos pelas costas. Costas estas que terminavam numa bunda redonda e firme, marcada no jeans justo. Ela odiava ser tão afetada pela perfeição de corpo e rosto de Hunter.
Se ele pensava que ela ficaria calada e parada na cozinha, ele estava muito enganado. Charlie pensou enquanto erguia o queixo e ia atrás dele.
"Hunter! Que porra passou pela sua cabeça ao imaginar que eu ficaria aqui nesse lugar sozinha com você? Chame o helicóptero agora! Agora, está ouvindo, seu desgraçado!"
Ela disse batendo o pé no chão.
Ele tinha se sentado num sofá e estava olhando para a tv, apertando o controle sem se importar com os canais.
"Eles virão amanhã a noite. Não há sinal aqui, e a próxima cidade fica a quilômetros daqui." Ela ia abrindo a boca, mas ele continuou: " Não há nenhum carro na garagem, pode olhar se duvida de mim."
"Porquê? Você sabe o quanto eu odeio você, por que armou tudo isso? E meu tio colaborou com você, mentiu pra mim e disponibilizou a casa! Meu Deus, como você pode ser tão idiota?"
Ele fechou a cara. O ar amistoso que ele levava no rosto deu lugar a um rosto frio. Seus olhos ficaram como pedras azuis frias.
"Eu não planejei nada disso. Eu vim por que queria conversar com você e tentar explicar as coisas que aconteceram. Mas eu sabia que você é cabeça dura demais para ouvir o que quer que seja. A casa é enorme. Você pode ficar lá em cima, eu fico aqui embaixo, amanhã a noite vamos embora e esquecemos esse episódio."
Ele se levantou do sofá e saiu por uma porta, deixando Charlie sozinha na sala.

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