Meu cérebro enfim pareceu ter se recuperado da grande bagunça que foram as últimas setenta e duas horas. Desde que saí, ou melhor, escapei da clínica, esta foi a primeira vez em que minha cabeça não parecia estar em meio a um festival de rock.Relutante em tomar qualquer medicamento por conta dos últimos meses em que passei a maior parte do tempo dopada, tive que lidar com a indisposição e as dores de cabeça da melhor forma possível. Ou seja, em meio a gemidos intervalados com horas de sono em posição fetal.
Pablo me tratava como se eu fosse de cristal, feito aquelas taças intocáveis que ficam em estantes. Mas eu estava melhor agora, de verdade. Consegui até cozinhar com algumas coisas que ele comprou no mercado e lavar a louça depois de almoçarmos.
Era sexta-feira e eu sabia que ele não poderia mais adiar trabalho por minha causa. Desde que cheguei, Pablo só tinha saído de casa para fazer entregas a alguns clientes fixos. Nada de festas ou eventos que garantiam a ele uma boa grana.
Confesso que uma parte de mim estava aliviada, pois eu morria de medo dele voltar a ser preso, mas esse era seu único sustento. Então não tinha muito o que ser feito nesse quesito.
- Vai trabalhar hoje? - respirei fundo e tentei disfarçar o tremor na voz. Relembrar a prisão dele era um gatilho fácil para mais uma crise de pânico.
- Hm... - ele me encarou por alguns segundos, parecendo refletir em algo. - Quer saber? Vou tentar uma folga pra hoje, assim você não passa a noite sozinha.
A preocupação dele me fazia amá-lo ainda mais, só que não vivíamos em um conto de fadas. Ele precisava trabalhar, e além disso, eu estava me sentindo bem.
Pablo tentava esconder, mas eu o percebi pensativo e tenso em diversos momentos desde que cheguei. Não o culpo, afinal eu ter vindo pra cá da última vez foi o que colaborou para ele ter sido detido. Eu ainda era menor de idade e estava fugindo dos meus pais. Era uma puta responsabilidade.
Refletir sobre isso me deixou deprimida. Eu não era idiota e sabia que a opção mais segura para nós era que eu voltasse pra casa. Mas isso implicaria em ficarmos separados e eu era egoísta demais para encarar a possibilidade de ficar longe dele.
E, pela forma como o vi franzindo a testa, preocupado, enquanto andava de um lado para o outro ensaiando a melhor forma de falar com o chefe dele, que por sinal era o dono do morro, para liberá-lo por hoje, eu sabia que ele pensava o mesmo que eu.
- Estou me sentindo bem melhor hoje. - me aproximei, sentando ao seu lado no sofá. - Não precisa ficar em casa comigo de novo.
- Nada disso. Eu vou ficar.
- Pablo... - suspirei. - Não seja cabeça dura, eu juro que estou bem. Até fiz nosso almoço e dei um jeito na cozinha. - sorri orgulhosa.
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Por Trás dos Olhos Azuis
Romance[CONCLUÍDA] Duas vidas, dois destinos, uma escolha. Ela foi aos céus e ao inferno com ele. Ele encontrou nela algo por lutar. Katherine, uma adolescente tímida recém chegada à cidade, e Pablo, um garoto de caráter duvidoso e envolvido com o tráfico...