vinte nove

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De vez em quando, quando Draco encarava o reflexo dele por tempo demais, ele podia jurar que não estava sozinho.

Ele podia jurar juradinho que estava vendo Tom sorrindo no espelho, os olhos tão escuros que pareciam completamente pretos e os dentes brancos que eram afiados demais e o sangue vermelho que pingava pelos lábios dele, lábios que estavam retorcidos, lábios que estavam rosados e cheios e em carne crua. Não era o Tom da foto no travesseiro de Draco, elegante e normal. Não era o Tom que tinha o traído e o usado e mentido para ele, e Draco encarava aquele reflexo sem piscar, por tempo demais, e tremia e empalidecia e jurava que estava o vendo, mesmo que a verdade fosse que Draco nunca tinha o visto daquela maneira, mais monstro do que menino, mais Voldemort do que Tom Riddle.

Ele sempre ouviu muito sempre o Lord das Trevas. As duas memórias mais importantes da infância de Draco envolviam ele e, desde sempre, ele tinha observado a Marca Negra no braço do pai dele e sentindo um tipo muito infantil de reverência e encanto, passando um dedo pela tinta encantada e prometendo que faria uma igual algum dia.

Ele sempre ouviu, mais do que todo o resto, sobre todos que o Lord das Trevas matou. Ele se lembrava de rir enquanto o pai dele contava certas histórias, só com cinco aninhos de vida, só com as informações que lhe eram dadas pelos adultos. Agora ele olhava para aquele requisito de Tom que nunca deixava a mente dele. Ele se sentia doente. Ele se sentia furioso.

De vez em quando, Draco podia jurar que estava olhando para o rosto de Lucius, quando olhava para si mesmo. Isso era algo que acontecia desde que ele era criança, muito antes de Tom. Isso era algo que acontecia desde sempre. Os olhos deles eram os mesmos, afinal de contas. Os mesmos olhos e o mesmo cabelo e o mesmo nariz, o mesmo sorriso e rosto e expressões.

Draco nunca tinha parado para pensar que talvez ele fosse querer ser sua própria pessoa. Que talvez ele não devesse ser tão interligado com o pai dele, deveria querer ter uma personalidade além do que herdou de Lucius. Agora ele olhava para si mesmo no espelho e via o pai dele. Agora ele olhava o pai dele e via um assassino. Ele se lembrava de mãos cobertas de sangue e carcaças apodrecendo em uma floresta e ele não conseguia dizer onde uma coisa acabava e outra começava. Onde uma pessoa acabava e a outra começava.

Então Draco respirava fundo.

Ele dava um passo para trás. Ele piscava até a visão dele estar focada de novo e jogava um montão água fria no rosto e olhava para Vincent e Greg até se lembrar de onde estava e quem era e de que os pés dele estavam tocando o chão. Draco arrumava o cabelo dele. Draco se arrumava em geral, se firmava e endireitava até se sentir humano de novo, e se lembrava que tinha conseguido fazer um Patrono. Ele sorria e ria com os amigos dele e esquecia, por um segundo.

Draco pensava em toda a raiva que havia dentro dele, se acumulando e se retorcendo e apodrecendo tudo que tocava, e ele pensava em todas as perguntas que tinha não respondidas. Ele dava outro passo para trás.

Não é justo, ele pensava com muita amargura, com muito desespero. Não é justo, não é justo, não é justo.

Ele queria muito fazer uma pirraça, em momentos como aquele, a não ser que na idade dele isso iria ser bem patético e ninguém iria se importar muito em o ajudar. Era difícil se segurar, porém – principalmente quando ele se lembrava do que ia acontecer com Bicuço. Rapidamente, as provas estavam se tornando uma distração e não só o problema principal dele.

Ao menos ele ainda tinha Vincent e Greg.

Ao menos ele ainda tinha Abbie.

Ainda.



De todas as provas, a de Adivinhação foi de longe a mais difícil, o que Draco nunca teria imaginado, considerando como aquela era a matéria mais idiota.

but we are brave,   DRARRYOnde histórias criam vida. Descubra agora