Capítulo 33 - Sangue.

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Lauren

Bebi água enquanto Camila foi pescar. Quando ela voltou, cozinhou o peixe e me deu comida na cama.

— Você fez uma fogueira — falei.

— Fiz. — Ela parecia orgulhosa.

— Foi difícil?

— Não.

Eu queria devorar a comida, mas Camila não deixou.

— Não coma tão rápido — sugeriu ela.

Eu diminuí o ritmo, deixando meu estômago se acostumar a ter algo dentro.

— Por que Galinha está na cama com a gente? — perguntei.

Eu não tinha percebido logo, mas ela estava sentada no canto do bote sem emitir nenhum som e parecendo bem à vontade.

— Ela estava preocupada com você também. Agora ela simplesmente gosta de ficar aqui.

Mais tarde, Camila e eu fomos até a praia tomar um banho, parando duas vezes para que eu pudesse descansar.

Ela me guiou até a água e ensaboou as mãos, passando-as pela minha pele. Quando fiquei limpa, ela se lavou. Seus ossos dos quadris saltavam, e eu contava cada costela.

— Você não comeu enquanto eu estava doente?

— Não muito. Eu ficava com medo de deixar você. — Ela se enxaguou e então me ajudou a ficar de pé. — Além disso, você também não estava comendo.

Ela segurou minha mão e voltamos para casa. Parei de andar.

— O que foi? — perguntei.

— Aquele namorado que você tinha deve ter sido um completo idiota.

Ela sorriu.

— Venha. Você precisa descansar.

Tomar um banho havia me cansado tanto que eu não argumentei. Quando chegamos em casa, ela me ajudou a ir para a cama e se esticou ao meu lado, segurando minha mão até que eu adormecesse.

Eu não tive muita energia na semana seguinte, e Camila ficou preocupada com uma recaída. Ela checava constantemente minha testa para ver se eu tinha febre e se certificava de que eu estava bebendo muita água.

— Por que estou com tantos hematomas? — perguntei.

— Você estava sangrando pelo nariz, pela boca e aparentemente por baixo da pele. Isso foi o que mais me assustou, Lauren. Eu sabia que você só podia perder certa quantidade de sangue, mas eu não sabia quanto.

Ouvir aquilo me apavorou. Parei de pensar no assunto e me concentrei em coisas mais agradáveis, como beija Camila e tirar a camiseta dela.

— Você está realmente se sentindo melhor — disse ela.

— Estou. Mas talvez você tenha que ficar por cima. Não tenho forças para mais nada.

— Sorte sua que gosto de ficar por cima — disse ela, retribuindo o beijo.

— Sorte é o meu sobrenome.

Depois, quando a abracei, eu disse:

— Amo você.

— Também amo você.

— O que você disse?

— Eu disse que também amo você. — Ela se aconchegou mais perto e riu. — Você ouviu da primeira vez.

* * *

Em junho de 2004, Camila e eu estávamos na ilha havia três anos. Não tínhamos visto mais nenhum avião desde aquele que havia sobrevoado a ilha dois anos antes. Eu ainda me preocupava, pensando se eles nunca nos encontrariam, mas eu não havia desistido completamente. Mas não tinha certeza se Camila podia dizer o mesmo.

* * *

— Este é o último sabonete.

Camila segurava uma embalagem de sabonete líquido. Restavam apenas alguns mililitros. O xampu e o creme de barbear já tinham acabado havia tempos. Ela ainda faz minhas sobrancelhas, mas estávamos na última lâmina, e ela estava tão cega que machucou minha pele, o que fez jorrar sangue, por mais cuidadosa que Camila fosse. Esfregávamos areia no couro cabeludo — nossa versão de xampu seco —, e isso meio que ajudava. Camila havia me convencido a queimar um pouco do seu cabelo. Ateei fogo nas pontas e mergulhei seu cabelo na água, encurtando-o vinte centímetros. O cheiro de cabelo queimado permaneceu por dias.

Também não tínhamos mais pasta de dente. Usávamos sal do mar para escovar os dentes, tirando água da laguna e esperando que evaporasse. Os pedaços de sal que sobravam eram bons o suficiente para limpar nossos dentes, mas nada se comparava à pasta de dente para fazer nossas bocas terem um gosto bom. Camila odiava isso mais do que tudo. Agora também ficaríamos sem sabonete.

— Talvez devêssemos dividir esse em três partes — sugeriu Camila, estudando o frasco de sabonete líquido. — Lavar nossas roupas, lavar nossos cabelos e nos lavar. O que você acha?

— Parece um bom plano.

Levamos tudo para a laguna e enchemos o recipiente do bote salva-vidas com água. Camila esguichou um pouco de sabonete. Quando todas as roupas estavam submersas, nós as lavamos completamente. Só me restava um short, um sutiã e um casaco, que na verdade não me servia mais, e a camiseta da Camila da REO Speedwagon. Eu ficava bastante tempo nua. Camila tinha o suficiente para se vestir, mas às vezes eu a convencia a passar um dia sem roupa também.

* * *

Fiz vinte e dois anos em setembro. Comecei a me sentir tonta quando me levantava rápido, nem sempre estava bem-disposta. Camila se preocupava muito, e eu não queria contar para ela, embora quisesse saber se ela sentia o mesmo. Ela disse que sim.

— É um sinal de desnutrição — disse ela. — Acontece quando o corpo finalmente usa seus nutrientes guardados. Não estamos repondo o suficiente. — Ela pegou minha mão e olhou para os meus dedos, passando o polegar pelas unhas quebradiças. — Esse é outro sinal. — Ela estendeu a mão e a examinou. — As minhas também estão assim.

Nós nos preparamos para a estação seca que se aproximava e para o fim do período de chuvas constantes. E, de alguma maneira, continuávamos sobrevivendo. 

Preparados?

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