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Se os indícios comprovassem que minha suspeita era verdadeira, eu estava longe de ser uma pessoa incrível.
Fiz de tudo para não deixar que esse meu desassossego transparecesse na casa dos meus tios e no caminho de volta ao apartamento de Hans.
Naquela tarde de sábado, dei um banho em Helena e a amamentei para que pudesse tirar o seu cochilo vespertino. Eu a queria perto de mim, ainda estava com saudades e com um sentimento de apego devido aos pensamentos recentes. Por isso não a levei para o berço, deixei que dormisse em seu moisés, no quarto de Hans.
Peguei o copo de suco que estava sobre a mesa de cabeceira. Em seguida, sentei na cama, bem em frente à minha filha. Enquanto me hidratava com a bebida de abacaxi, pus-me a observá-la, focando especificamente nos detalhes de seus traços; tal como o formato de seu rosto, o contorno bem-marcado de seus lábios e seus cílios acobreados. Meu coração acelerou as batidas porque os sinais eram cada vez mais nítidos e lampejantes. Não dava mais para adiar uma questão tão importante como aquela.
Deixei o suco de lado e me levantei muito decidida.
Encontrei Hans no escritório sentado em sua Charles Eames. Seus pés estavam apoiados no pufe e havia um calhamaço de livro sobre seu colo. Vendo sua concentração na leitura, encostei os ombros no batente da porta. Mesmo tensa, não pude deixar de sorrir por algo que me parecia uma novidade.
– Eu não me lembro de você usando óculos. – falei baixo, porém sem esconder a surpresa.
Ele levantou a cabeça para me encarar.
– Comecei usar há alguns meses, mas são apenas para leitura. Ainda estou me adaptando. – Ele colocou a livro sobre a mesinha ao lado, depois fez o mesmo com os óculos. – Helena demorou para dormir? – fiz que não com a cabeça. – Está tudo bem?
Desfiz o sorriso para puxar uma grande quantidade de ar pelo nariz e soltá-lo pela boca. Só então respondi:
– Estou noventa porcento bem.
– O que eu posso fazer para você ficar cem porcento bem?
– Precisamos conversar. De novo. – Entrei de vez no ambiente ao passo que ele ajeitou a postura, colocando os pés no chão. Aproveitei para sentar no pufe, à sua frente e entre suas pernas. – Na verdade, primeiro quero que ouça tudo que tenho para falar, depois preciso te ouvir.
– Ok. – Meneou pacificamente.
– Eu me lembrei de uma conversa que tivemos no meu quarto, quer dizer, acho que também era o seu quarto em Nova Iorque. Foi quando manifestei a vontade de suspender os remédios, incluindo o anticoncepcional. – Engoli em seco. – Não parecia ser uma memória distante.
– Depende do ponto de vista. – Ele deu um meio sorriso. – Isso faz quase dois anos.
– Bem, é uma memória muito mais recente dos que as outras que tive.
– É verdade. – Consentiu solícito.
– Por que estou com a impressão de que você já sabe o que vou dizer? – perguntei ressabiada.
– Eu não sei o que dirá, mas suspeito o que pode ser. Prossiga, Helô.
– Hans, não vou conseguir falar diretamente. Preciso encher essa conversa de firula não por sua causa, e sim por mim. Tenho que me preparar ao ouvir a minha voz admitindo certas coisas. – Senti um calafrio de tanto nervosismo, contudo, continuei: – Lá na casa dos seus pais, as fotografias, a Karen, sua mãe cantando para Helena... a Helena... ela... – Um outro calafrio me sobreveio. – Deus, não sei como explicar! Estou perdendo a coerência! – abaixei minha cabeça e firmei as mãos nas laterais de madeira do pufe. Estava difícil de falar, minha garganta parecia um deserto de tão seca.
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