(ainda dentro das memória de Helô)
Os três nos viram. Eles estavam nas redondezas por causa de uma palestra, onde o preletor era ninguém menos que meu pai.
Karen os convidou para sentarem conosco. Contrariada, tive que afastar até a outra ponta do sofá para dar espaço a André e Pamela. Hans se acomodou ao lado de Laila, ficando de frente para a doutora mocreia.
Não era certo deixar que terceiros ditassem o domínio do meu estado de espírito. Obviamente fatores externos influenciam o humor de qualquer ser humano, mas é possível blindar (ou se possível, filtrar) aquilo que não deve entrar na mente e no coração. Não é uma tarefa fácil, principalmente quando se é diagnosticado com uma doença psiquiátrica. Eu nunca poderia descansar na plenitude porque uma contrariedade era capaz de revelar o meu lado ruim. Por isso, tive que me acostumar a estar sempre vigilante.
Pensei quando tia Cris disse que a melhor coisa a se fazer era não dirigir a palavra a Pamela.
Ignorar. Ignorar. Ignorar.
A vantagem era que a mocreia ruiva pouco interagia. Ateve-se em tomar o seu gelato, falando uma ou outra coisa com Hans e Laila.
Ruim mesmo foi olhar para Hans. Casual em seus jeans e camiseta branca, usava o relógio que lhe presenteei em seu penúltimo aniversário, quando fez trinta anos. Não precisei conferir o que calçava, eu sabia que um par de velhas botas pretas Windsor completavam o seu visual. Como sempre, ele estava bonito sem precisar de muita coisa.
Fiquei irritada por gostar tanto da sua imagem, e mais irritada ainda por vê-lo tão normal. Se eu sofria com os altos e baixos de humor, provavelmente ele tinha a patologia da normalidade, salvo nas vezes que aparentava austeridade.
Como ele conseguia controlar as emoções? Será que eu era a sua dor de cabeça?
Odiava admitir, mas ali, ele parecia melhor sem mim. Até as dermatites tinham sumido!
Coisas assim me confundiam, migrando as ideias e os conceitos de um extremo ao outro dentro da minha cabeça, que já era tão complexa.
Todavia, não pude deixar de me perguntar o porquê de ele continuar andando com Pamela. Tudo bem que eles trabalhavam na mesma clínica. Mas tomar sorvete juntos era algo que ia além de uma relação profissional.
Hans não me respeitava! Ele sabia que a doutora tinha mexericado em meus remédios e disse que acreditava na minha versão da história, mesmo assim continuava a manter aquela amizade. Por essas e outras que não dei trela quando me pediu para não sair com Matias.
Meu querido primo só pegava no tranco depois de uma sacolejada, do tipo que o fazia entender que a perda seria permanente. Talvez ele nunca tomaria uma atitude, nunca lutaria por simplesmente não fazer parte do seu feitio ou porque era mais cômodo ser um conformista.
Ou talvez eu não valha a pena., pensei e a dor em meu peito quis dar as caras. Rejeição era o caminho mais fácil para a autocomiseração. Eu não admitiria chegar a esse ponto outra vez! Seguir com minha vida era o que eu já vinha fazendo, mas ficar cheia de lamúrias? Sofrendo que nem uma trouxa? Ruminando a amargura? De jeito nenhum!
Matias queria uma resposta sobre o nosso terceiro encontro. Ele receberia o meu sim porque nós dois merecíamos um bom escape das mazelas da vida. Deixei meu pote de sorvete quase inteiro sobre a mesinha e peguei meu telefone. Assim que enviei uma mensagem perguntando qual o horário, percebi André segurar uma mecha do meu cabelo. Dei uma esguelhada para o lado vendo-o brincar com o cacho.
Desde que eu tinha dado atenção a sua filha, ele vinha agindo estranho. O homem ficava me mascando, cheio de xavequinhos sutis. Eu não sabia se era coisa de pai divorciado carente ou apenas safadeza. Provavelmente ele nem suspeitava o que tinha rolado entre Hans e eu. Talvez até pensasse que não passava de uma paixãozinha besta da minha parte, já que seu amigo conseguia sustentar uma postura indiferente na presença dos outros. Caso contrário, será que André estaria com as asinhas soltas para cima de mim?
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