Capítulo 38

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(ainda dentro das memórias de Helô)

HELOÍSA

Se na minha casa eu não podia andar do jeito que vim ao mundo, no apartamento de Hans a história era outra.

Pelada e descabelada, mordi uma maçã ao sair da cozinha. Depois de termos passado a última hora estreando a cama nova, eu precisava repor as energias caso houvesse mais um round de safadeza.

Atravessei a sala tranquilamente, refrescando meu paladar com o doce da fruta e entrando no corredor que levava aos quartos.

Mais cedo, assim que chegamos da feira, Hans foi comigo até o escritório. A princípio estranhei quando ele, em silêncio, pegou a minha mão e me conduziu até aquele cômodo. Só me atinei ao que ele pretendia no momento em que o vi esticar o braço em direção a prateleira do meio da estante embutida. Ali possuía um fundo falso onde ficava um pequeno cofre. Ele tirou meu pendrive do bolso da sua bermuda e, enquanto o guardava dentro do cofre, sugeriu uma combinação, na qual eu concordei.

Agora a prova do meu tormento estava aos cuidados de Hans. Senti um alívio imenso. Quem sabe chegaria o dia em que eu precisaria daquele conteúdo e, finalmente, a justiça seria feita.

Com essa ideia consoladora na mente, continuei andando pelo corredor em direção à suíte. Cada vez que eu me aproximava, mais nítida ficava a canção que tocava lá dentro. Nos acordes finais, mordi minha fruta, adentrando no ambiente, mas não me deitei. De pé, amparei as costas na parede do lado oposto da cabeceira da cama. Hans estava deitado de barriga para cima; o lençol chumbo o cobria da cintura para baixo. Com os braços erguidos e as mãos debaixo da sua cabeça, ele me observava. Eu também o observava, mais precisamente seus bíceps fortes e firmes. Homens como ele (da geração dele) costumavam ter tatuagens, nem que fosse uma discreta, mas não havia nem um pingo tinta em sua pele, e sendo sincera, isso não fazia falta.

A introdução de uma nova canção começou a ressoar pelos autofalantes. Still Got The Blues mostrava logo de cara a que veio. Agradável e melancólica. Triste e sensual. Viciante! Eu mesma a tinha escolhido. Não pela letra que se referia a um amor inesquecível, mas por causa do instrumental e do timbre rasgado da voz de Gary Moore.

Passou por minha mente que talvez não seria uma má ideia fazer uma seleção de canções como aquela no aplicativo do telefone. Eu tinha playlist para tudo, por que não uma Playlist Para Foder? Nada me impedia de ir selecionando as melhores músicas e, ao longo das minhas férias, ir testando-as com Hans.

Hans.

Depois das férias, eu me mudaria, então não haveria motivos para investir numa lista de canções para nossas transas.

Estava difícil evitar pensar naquele dilema. Por mais que eu estivesse consciente de que os planos de nos vermos periodicamente nos próximos dois anos fossem quase impossíveis, no fundo, bem no fundo, eu queria que desse certo.

Meu pobre coração era esperançoso demais. Era um hábito antigo que não saía de mim. Eu não sabia viver de outra forma que não fosse intensamente. Vamos ver no que vai dar não era algo do meu feitio. Comigo o sim e o não costumavam ser resolutos!

Mas, se o meu coração era um errante, a minha mente estava um pouco mais calejada.

Não aguentando sustentar nossos olhares, desviei o rosto para o lado. As cortinas da varanda estavam abertas, o sol ainda brilhava enquanto minha mente lançava uma enxurrada de perguntas.

Como não me iludir? Como apenas tirar proveito do que acontece no momento? Como se dedicar a algo sem criar expectativas?

Deus, eu estava tão confusa! Confusa no sentido mais literal da palavra!

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